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ANÁLISE
O martírio de Geyse nos faz pensar
ANNA VERONICA MAUTNER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Geyse ia a uma festa depois
da aula. Na balada ou na festa,
seus trajes, sua maquiagem,
não levantariam a alma selvagem dos colegas. As mesmas
pessoas em outro contexto
conteriam sua inveja e seu desejo. O surgir daquela beleza
não pasteurizada, esperada na
balada, mas não na escola, pegou todos de surpresa. Ninguém estava preparado e a sensualidade fora de contexto arrebatou e desorganizou.
Jovens que começam a "ficar" muito cedo aplicam ao "ficar" uma sexualidade pasteurizada, claramente quantificada.
Têm a sua vida instintiva reprimida. Beija-se sem paixão. Fica-se porque é lugar, hora e idade de ficar. Namorar é uma outra etapa. Antigamente, namorava-se para poder beijar. Agora, namorar quer dizer que só
se beija um, ou melhor, namorar é beijar com tesão.
Geyse, a jovem atacada por
colegas, meninos e meninas,
não sabia o que estava fazendo
quando adentrou com sua sensualidade o espaço em que não
se estava preparado para reprimir. Não foi só ela que errou.
Seus algozes também não sabiam que é bom estar preparado. A sexualidade pode ser atiçada inesperadamente. A força
do sexo pode surpreender.
Geyse apenas errou de traje e
fez tremer fortalezas indefesas.
É tão ameaçadora a liberdade
sexual para os jovens que não
são protegidos pela proibição
social ou familiar que eles, de
forma velada, se castram. Nem
Geyse conhecia seu poder nem
os jovens conheciam a força do
desejo reprimido. Quando a repressão vem de fora, ela tanto
castra quanto protege.
Não conheço outro caso igual
ao de Geyse, mas conheço algumas ameaças. Moças lindas, viçosas, que se mostram sem levar em conta o esforço que tem
que ser feito para reprimir a
vontade de tomar de assalto o
corpo do outro.
Não estou propondo retorno
aos velhos padrões. Apenas me
surpreendo com o resultado da
autocensura a que os jovens estão obrigados, uma vez que a
censura social e familiar está
cada vez mais distante.
Quem deve conter? Como
deve ser contido? Não sei. Geyse nos dá assunto para pensar.
ANNA VERONICA MAUTNER é colunista da Folha e psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
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