São Paulo, sábado, 31 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

O martírio de Geyse nos faz pensar

ANNA VERONICA MAUTNER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Geyse ia a uma festa depois da aula. Na balada ou na festa, seus trajes, sua maquiagem, não levantariam a alma selvagem dos colegas. As mesmas pessoas em outro contexto conteriam sua inveja e seu desejo. O surgir daquela beleza não pasteurizada, esperada na balada, mas não na escola, pegou todos de surpresa. Ninguém estava preparado e a sensualidade fora de contexto arrebatou e desorganizou. Jovens que começam a "ficar" muito cedo aplicam ao "ficar" uma sexualidade pasteurizada, claramente quantificada.
Têm a sua vida instintiva reprimida. Beija-se sem paixão. Fica-se porque é lugar, hora e idade de ficar. Namorar é uma outra etapa. Antigamente, namorava-se para poder beijar. Agora, namorar quer dizer que só se beija um, ou melhor, namorar é beijar com tesão.
Geyse, a jovem atacada por colegas, meninos e meninas, não sabia o que estava fazendo quando adentrou com sua sensualidade o espaço em que não se estava preparado para reprimir. Não foi só ela que errou.
Seus algozes também não sabiam que é bom estar preparado. A sexualidade pode ser atiçada inesperadamente. A força do sexo pode surpreender. Geyse apenas errou de traje e fez tremer fortalezas indefesas.
É tão ameaçadora a liberdade sexual para os jovens que não são protegidos pela proibição social ou familiar que eles, de forma velada, se castram. Nem Geyse conhecia seu poder nem os jovens conheciam a força do desejo reprimido. Quando a repressão vem de fora, ela tanto castra quanto protege.
Não conheço outro caso igual ao de Geyse, mas conheço algumas ameaças. Moças lindas, viçosas, que se mostram sem levar em conta o esforço que tem que ser feito para reprimir a vontade de tomar de assalto o corpo do outro.
Não estou propondo retorno aos velhos padrões. Apenas me surpreendo com o resultado da autocensura a que os jovens estão obrigados, uma vez que a censura social e familiar está cada vez mais distante.
Quem deve conter? Como deve ser contido? Não sei. Geyse nos dá assunto para pensar.


ANNA VERONICA MAUTNER é colunista da Folha e psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Rio de Janeiro: Justiça sequestra bens ligados a chefe do tráfico; 10 são presos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.