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URBANIDADE
Feliz São Paulo novo
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Caros leitores , desculpem-me pelo narcisismo. Mas hoje, para falar de São
Paulo, o personagem escolhido
sou eu mesmo. Pelo menos, estou
protegido do ridículo exibicionista graças à clandestinidade
de quem se vê obrigado a publicar qualquer coisa no último dia
inútil do ano, quando todos os
leitores conseguem fazer muitas
coisas, menos ser leitores.
A escolha do personagem não
é tão gratuita assim -talvez pudesse até dizer que o personagem
não sou eu, mas Nova York, onde estou neste momento. Nesta
mesma data, há seis anos, estava
metido no inverno nova-iorquino, de céu azul e ensolarado,
preparando-me para voltar a
São Paulo, o que era, na opinião
de muitos de meus amigos e colegas, sair do paraíso para o inferno.
Nesse caminho de volta, começou a nascer esta coluna, "Urbanidade". Nasceu parida pela lição que aprendi caminhando
pelas ruas de Manhattan: a riqueza de uma cidade não está
nas belezas naturais, mas na
quantidade de pessoas interessantes fazendo coisas interessantes, compondo paisagens de incessantes inovações. Essa foi a
energia que me fez virar um
aprendiz de Nova York e, depois,
um aprendiz de São Paulo.
Quem estiver aberto para a cidade que, no mês que se inicia
amanhã, comemora 450 anos
não vai ver apenas o trânsito, as
enchentes, a violência, a poluição, enfim, o inferno urbano
-vai ver e sentir a energia criadora e instigante das pessoas. Esse olhar nos permite descobrir as
ilhas no inferno, com suas redes
de solidariedade e de gentileza,
respostas à nossa sensação de
abandono e solidão.
Desde que comecei a escrever
esta coluna, tempos depois da
minha chegada a São Paulo, não
me faltaram personagens interessantes, muitos dos quais anônimos, sem título, que, no entanto, estavam fazendo coisas interessantes, coisas aparentemente
ínfimas, mas gigantes em significado. Quanto mais anônimo o
personagem, aliás, mais interessante. Esses gestos gigantes em
coisas ínfimas, espalhados anonimamente pela cidade, formam
uma massa energética, criativa.
Por isso passei a acreditar que
São Paulo vai conseguir se transformar num espaço mais acolhedor.
Até porque só existem dois caminhos: ou a cidade expulsa os
paulistanos, ou os paulistanos
mudam a cidade. Nessas horas,
prefiro confiar em Einstein, para
quem é melhor errar sendo otimista do que acertar sendo pessimista.
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