São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Bruno Miranda / Folha Imagem
A empresária Vera, 47, e o marido e sócio Marcos Barros, 46, que optaram por não ter filhos
SÃO PAULO - A empresária Vera, 47, e o marido e sócio Marcos Barros, 46, que optaram por não ter filhos

Cristiane Barbieri

Os que não se multiplicam

14% dos casais entrevistados não têm filhos, perfilando no padrão social conhecido como ‘dink family’

O Datafolha confirma a tendência que o Censo de 2000 e as PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicí-lios do IBGE) já mostraram: nos últimos anos é cada vez maior o número de famílias brasileiras que optam por não ter filhos. Entre os entrevistados que se dizem casados, 14% afirmaram não ter filhos. Na pesquisa de 1998, apenas 10% dos que estavam casados não tinham filhos. “A ‘dink family’ [duplo salário, nenhuma criança, da sigla em inglês] já é um padrão social e não apenas uma questão de comportamento para a sociedade brasileira”, diz Elisabete Doria Bilac, pesquisadora Nepo (Núcleo de Estudos de Popula-ção) da Unicamp. “Muitos adiam filhos em função de projetos de carreira, enquanto outros preferem ter no casamento uma relação apenas de companheirismo, em vez de pensar em reprodução.”
Foi o que aconteceu com o empresário Marcos Barros, 46, e a mulher Vera, 47. Casados há 15 anos, depois de nove de namoro, eles optaram pela vida a dois desde o início. “Tínhamos duas alternativas: trabalhar muito para construir nosso patrimônio ou ter filho e nos virar como desse para sustentá-los”, diz Marcos, sócio da Crazy Turkey Editora. “Fomos trabalhar.” Ajudou na decisão o fato de ambos serem apaixonados por viagens de motocicleta. Praticamente todos os finais de semana, eles rodam o Brasil com um grupo de amigos donos de motos estradeiras. Entre os parceiros de viagens, mais dois casais sem filhos por motivos semelhantes.
Com salário duplo, casa na cidade e na praia, carro e moto na garagem, todos os eletroeletrônicos na casa e mais dois cachorros e um papagaio, Marcos e Vera também fazem, em média, três viagens internacionais ao ano. Em outubro, embarcam rumo à Grécia, onde rodarão 1.400 km em motocicletas BMW. “Com filhos, eu não teria a liberdade de fazer a mochila e viajar na hora que quisesse com meu marido”, diz Vera, que também é sócia de Marcos. “Te-nho cinco sobrinhos que adoro, vivo com eles, mas, quando dá a hora, devolvo para a mãe e vou cuidar da minha vida.” Outro problema são as diferenças culturais. “O pessoal [no Japão] é reservado. Como se diz, é meio frio”, conta Wataro, nascido em Birigüi (SP).

Cobrança

Segundo antropólogos, o brasileiro está seguindo um padrão de comportamento que é realidade em países como Estados Unidos e Japão há pelo menos 20 anos. “Na Europa, o número de casais sem filhos é muito maior porque a legitimidade da opção não é questionada”, diz Mirian Goldenberg, antropóloga e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “No Brasil, ser individualista é uma acusação, enquanto na Europa é um modo de vida.” Isso significa que a cobrança aos casais sem filhos no Brasil ainda é alta. Os argumentos da cobrança, dizem os pesquisadores, envolvem desde acusações de egoísmo do casal e de fracasso na formação de uma família completa a ameaças com solidão e arrependimento futuros, principalmente para mulheres. “Objetivamente diminui o desejo de ter filho”, diz Goldenberg. “Subjetivamente, no entanto, é um grande drama pessoal.”
Um dos grandes temores da família sem filhos, principalmente num país em que o Estado não provê a tranqüilidade de uma velhice digna, é passar os últimos anos de vida também sem amparo familiar. Filhos seriam a única alternativa a quem não conta com boa saúde pública ou com uma aposentadoria que garanta a sobrevivência. Nem todos engolem o argumento. “Filho não é garantia de velhice tranqüila”, acha Vera. “O que garante aos velhos ser tratado com respeito é trabalhar, guardar dinheiro e pagar alguém para cuidar de você. Filho tem de ter sua própria vida e não ficar cuidando dos pais.” As questões colocadas a favor das famílias sem filhos também são fortes. Segundo Bilac, com o fim do trabalho infantil e a escolarização obrigatória, as taxas de fecundidade têm diminuído desde o século 19. “A relação custo-benefício dos filhos caiu muito para as famílias”, diz a pesquisadora. “O custo de um filho na classe média é altíssimo, as pessoas não têm estabilidade e precisam qualificar-se a vida inteira para manter a empregabilidade. Por outro lado, há muito mais riscos em se criar uma criança nos dias de hoje.”
Com menor preocupação com relação ao sustento pós-aposentadoria, as famílias de maior escolaridade e poder aquisitivo são as que mais optam por não ter filhos. Segundo o Datafolha, o número de casais sem filhos aumentou em 15 pontos percentuais entre pessoas que têm ensino médio e em três pontos percentuais para quem tem ensino superior, em relação à pesquisa feita em 1998. Já as famílias que têm apenas ensino fundamental, o número de casais sem filhos caiu 18 pontos percentuais no período.

Na Europa, o número de casais sem filhos é muito maior porque, lá, ser individualista é um modo de vida; aqui, é uma acusação.” Mirian Goldenberg, antropóloga e professora da UFRJ




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