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Jairo Marques

Essa gente pequena

Quando o cabra é anão, precisa ser imenso nas negociações, na cobrança pela garantia da cidadania

O diminutivo é um substantivo e um adjetivo meio malandrão. Na hora em que a guerra aperta e é preciso um pouco de paz, ele é lançado apelando para os "coraçõezinhos" com os dedos, chamando a inimiga de "florzinha". Para agredir, para subestimar, ele é usado para dizer "povinho", "gentinha", "tampinha".

A vida das pessoas pequenas, bem pequenas mesmo, as anãs, também passa pela dualidade do diminutivo: são os seres "queridos e encantados" que não fazem mal ­­-nem cheiram- para a vida de ninguém, podendo ser os eternos "engraçadinhos" de circo, moradores de florestas encantadas.

Por outro lado, é o "baixinho" sem vez, sem voz, sem espaço. O alvo da piadinha infame eterna, o ridículo de que nenhuma alma neste mundo nem nunca viu um velório, que morre afogado em gota de chuva.

Mas, enquanto essa lorota é reproduzida e, muitas vezes, tida como realidade, o povo pequeno batalha seu espaço, ganha Globo de Ouro, como foi o caso do ator Peter Dinklage, de 1,35 m, no domingo, e, sobretudo, tenta reverter séculos de estigmatização, que já renderam sofrimentos profundos de famílias em decorrência do alto índice de suicídios entre os membros desse grupo.

Quando o cabra é anão, ele precisa ser imenso durante as negociações, durante suas defesas de ponto de vista, na cobrança pela garantia de sua cidadania. Caso contrário, ele será engolido pelos supostamente grandes que irão querer fechar questão impondo a vantagem física como argumento.

A mesma situação é vivida pelos cadeirantes, que, frequentemente, estão mais baixos que os outros mortais. Ser grande pode ajudar a assombrar o interlocutor apontando o indicador no nariz de seu alvo de cima para baixo, mas, felizmente, a natureza não botou o conhecimento no dedo médio, vulgo fura-bolo.

Nanismo não se adquire naquela loja "Pingo de Gente", muito menos na Lapônia. Fica-se miúdo por razões hormonais, nutricionais, genéticas, e as implicações vão de problemas ósseos a efeitos raros, como ficar com aparência de jovem por longos anos (é sério!).

O que não está no contrato para ser anão é, obrigatoriamente, ter de ser bufão -o que não é demérito, mas também não vem no DNA- ou ser pintor de rodapé, talvez, quem sabe, ser autor de rodapé, como qualquer sabichão dado à literatura, à pesquisa.

Não existe também regra da natureza que determine que um anão só encontre sentimento em seus iguais. Ah, não... Você nunca viu um pequeno grudado em um mulherão ou uma anã abraçada a um rapagão? Pois é bem comum. Opostos...

Como os olhares para os pequenos costumam ser viciados apenas em pequenez de pensamentos, adaptações para a vida desse povo são quase sempre esquecidas.

Alguém já viu balcão de boteco com um espaço mais baixo? E móveis para casa menos altos? Roupas para o anão? Sapatos? (Não, não valem as casinhas e trajes de bonecas ou objetos de criança).

Diversidade humana é evolução. Não tolerá-la ou desrespeitá-la é o que representa retroagir no tempo e voltar até a época em que mentes brilhantes e capazes eram ignoradas e descartadas por pura ignorância e preconceito.

jairo.marques@grupofolha.com.br

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Antonio Prata

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