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Patroas e empregadas discutem a relação

Domésticas reclamam da jornada de trabalho e falta de direitos trabalhistas; para patroas, faltam boas empregadas

Longa 'Histórias Cruzadas' relata embate entre criadas e patroas que fomentou luta pelos direitos civis nos EUA

GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO

Empregadas domésticas estão em falta na cidade. Pelo menos, as boas, segundo as patroas. Elas reclamam da pouca fidelidade das trabalhadoras e da oferta cada vez menor das que aceitam dormir no emprego.

Também faltam bons patrões, na visão de quem cozinha e faxina. As queixas vão da jornada de trabalho ilimitada à falta de vontade em

conceder direitos trabalhistas.

O momento é apropriado para discutir a relação. Estreou sexta-feira o filme "Histórias Cruzadas", de Tate Taylor, sobre a convivência entre criadas negras e suas patroas brancas no Mississippi (EUA) dos anos 1960. O longa está indicado a três Oscares.

A discriminação do serviço doméstico retratada no filme ajudou a fomentar a luta pelos direitos civis nos EUA.

Na Grande São Paulo, entre 2003 e 2011, o número de domésticas com escolaridade superior a 11 anos dobrou. Com isso, elas exigem mais seus direitos, diz Eliana Menezes, que preside o sindicato das domésticas do Estado.

"Não existe mais aquele negócio de a empregada ser a tiazinha que cuida do filho até ficar velha e depois não tem onde morrer", diz. "Hoje elas sabem que devem ser registradas e que não podem ganhar abaixo do piso."

Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), uma empregada que mora com os patrões trabalha até 13 a mais por semana do que quem não pernoita.

Segundo o IBGE, o número de empregados da Grande SP que trabalham em mais de uma casa subiu de 13,1% para 23,2%, de 2003 a 2009.

"A grande transformação é essa: da mensalista para a diarista", diz a antropóloga Jurema Brites, da Universidade Federal de Santa Maria (RS). "Elas não querem trabalhar sem hora extra, morando na casa do patrão, e optam por ser diaristas", afirma ela, que estuda o tema há 15 anos.

A lei não prevê limite na jornada de trabalho nem pagamento de horas extras. "Não tem de ter jornada de trabalho", defende a advogada Margareth Carbinato, do Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado. "Os patrões saem e quem vai controlar se o empregado cumpriu suas funções, se foi tomar café, assistir à TV?"

A agremiação de patrões, conta Margareth, foi fundada por ela em 1989 "porque os empregados domésticos tinham representatividade, mas não havia quem gritasse pelo empregador".

A doméstica Márcia Alves, 34, veio há um mês de Pernambuco para trabalhar em São Paulo. Ela, que cursou o ensino médio e tem diploma técnico de segurança do trabalho, conta já ter trabalhado em casas em que tudo era dividido. "Diziam 'o sorvete é da gente, você não mexe'."

Hoje, ela mora com a patroa, em Moema (zona sul), mas volta para a própria residência, no Butantã (zona oeste), nos fins de semana. "Para mim, é melhor porque corto as despesas, mas quase ninguém aceita porque perde a liberdade", diz Márcia.

Até os 14 anos, a psicóloga Sofia Karnakis, 31, foi criada por duas mulheres: a mãe e a empregada Ana Maria Andrade, 56. Há dois anos e meio, quando sua filha nasceu, chegou a sondá-la, mas Ana estava comprometida com outra família. Começou, então, uma cruzada: foram seis tentativas até conseguir alguém "de confiança".

"A minha atual não fica mais de seis horas em casa, trabalha em outros lugares. Mas já passei por tantas que estou achando ótimo", diz.

A cantora Karla Farias, 33, comanda sete empregadas: uma cozinheira, duas faxineiras, três babás (uma para cada filho) e uma lavadeira/passadeira. "Numa entrevista, elas vêm muito preocupadas com quanto vão ganhar, e não com o que vão fazer. Até você acertar, dá muita cabeçada", diz Karla.

Vanuza dos Santos, 41, doméstica há 30 anos, reclama das exigências cada vez maiores. "Empregada não tem que passear com o cachorro. A gente entra ali para uma função. Daí o que era só uma ajuda vira obrigação."

Colaborou LÍVIA SAMPAIO

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