Índice geral Cotidiano
Cotidiano
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Pasquale Cipro Neto

"Laureus"

A grafia é forte em nossa existência; há relação direta entre a forma escrita e o mundo que nos cerca

Faço televisão há quase 20 anos, mas passo pouco tempo diante da telinha. Vejo basicamente futebol, telejornais e um ou outro programa. Na segunda-feira, eu estava trabalhando no computador, com a TV ligada. Desviei o olhar para ela e vi a palavra "Laureus" na chamada para o bloco seguinte de um telejornal.

A imagem que se via era a de um tenista, o que, num primeiro momento, me fez pensar num possível atleta chamado "Laureus", mas, como acompanho com alguma atenção o tênis -e o atleta mostrado me parecia ser o atual número 1, o sérvio Novak Djokovic-, logo descartei essa hipótese. Restou-me pensar num suposto descuido ou cochilo gramatical e ortográfico, mas a matéria em si, exibida na volta do intervalo comercial, deixou tudo muito claro: tratava-se do prêmio "Laureus", uma espécie de Oscar do esporte, que fora entregue em Londres.

Na verdade, eu já sabia da existência do prêmio e, coincidentemente, à tarde, tinha ouvido pelo rádio uma informação a respeito da entrega do galardão (um dos homenageados, por sinal, foi o querido Raí).

Relatei tudo isso para mostrar ao leitor como a grafia (a palavra escrita) é forte em nossa existência, como temos uma relação direta entre a forma escrita e o mundo que nos cerca. Explico: ao ver a palavra "Laureus" na tela (o som da TV estava no mínimo; só o aumentei na volta do intervalo, justamente para ouvir "direito" a notícia), minha primeira conexão não foi com o nome do prêmio; foi, num primeiro momento, com um possível antropônimo (nome de ser humano) e, imediatamente, com o plural da palavra portuguesa "laurel" ("coroa de louros", "prêmio", "honraria" etc.). O plural de "laurel" não poderia ser "lauréus", muito menos "laureus".

O plural de "laurel" é "lauréis", assim como o de "papel" é "papéis", o de "coronel" é "coronéis", o de "tonel" é tonéis", o de "hotel" é "hotéis" etc. Como se vê, o plural de palavras oxítonas ou de monossílabos tônicos terminados em "el" é feito com a troca do "l" por "is". Merece cuidado a palavra "mel", cujo plural pode ser "méis" ou "meles".

Não se pode confundir o plural de palavras terminadas em "el" com o das que terminam em "éu", como "chapéu", "céu", "troféu", "escarcéu", "fogaréu", "ilhéu", "mausoléu", "réu", "tabaréu" etc. O plural de todas essas palavras é feito com o simples acréscimo de "s": "chapéus", "céus", "troféus", "escarcéus", "fogaréus", "ilhéus", "mausoléus", "réus", "tabaréus" etc.

Aproveito para lembrar que o infame (Des)Acordo Ortográfico alterou a regra de acentuação relativa aos ditongos "ei" e "oi". Depois da reforma, só há acento (agudo) na vogal tônica (quando aberta) desses ditongos nas palavras oxítonas ou nos monossílabos tônicos, ou seja, continuamos acentuando "herói", "dói", "hotéis" e "réis", por exemplo, mas deixamos de acentuar "heroico", "joia", "boia", "assembleia", "geleia" e "Pompeia", que antes da reforma recebiam acento agudo.

O ditongo "eu" não sofreu alteração, visto que, quando o "e" é aberto, só aparece em palavras oxítonas ou em monossílabos tônicos (como nos exemplos do parágrafo anterior).

Voltando ao título desta coluna, meto o meu bedelho no telejornal que exibiu a palavra "Laureus" : não teria sido melhor escrever "Prêmio Laureus" em vez de pura e simplesmente "Laureus"? Bem, de qualquer maneira, que fique claro: o telejornal não cometeu nenhum erro ortográfico ou gramatical. É isso.

inculta@uol.com.br

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.