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Mudança em congregação inquieta colégio Santa Cruz

Grupo canadense, mais liberal e formado por padres que criaram escola de elite, passa a se reportar ao americano, mais conservador

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Uma mudança no final do ano passado no estatuto da Congregação de Santa Cruz, mantenedora de um dos colégios mais tradicionais da elite paulistana, o Santa Cruz, no Alto de Pinheiros (zona oeste), trouxe um grau de incerteza sobre os rumos da instituição.

A congregação é formada por dois grupos -um canadense, que fundou o colégio, e outro americano.

Até 2011, a parte canadense tinha autonomia e reportava-se a Montreal. A partir de agora, todos os assuntos da congregação no Brasil passam a ser reportados à província Moreau, em Austin, Texas.

"Há um ponto de interrogação, mas ele está sendo vivido sem apreensão", explica o padre José de Almeida Prado, 81, membro do Conselho de Administração, que ingressou no colégio em 1954, dois anos após sua fundação.

Nilto Neres de Oliveira, líder da congregação, garante não haver mudança significativa à vista. "Em termos estruturais, as bases já estão lançadas. A tendência é só melhorar."

Embora façam parte da mesma entidade, os americanos são tradicionalmente mais conservadores, doutrinários e refratários à modernidade.

Segundo o próprio Oliveira, "nos Estados Unidos se desenvolve uma linha pastoral mais voltada ao dogmatismo, menos engajada nos problemas sociais e políticos".

O padre José Prado acrescenta: "A diferença é cultural. É como comparar um europeu a um americano. A matriz americana pode agregar mais qualidade, sobretudo nos aspectos esportivo e laboratorial".

Os canadenses sempre preservaram uma linha mais progressista, que teve na figura do padre Paul-Eugène Charbonneau (1925-1987), filósofo, teólogo e educador, um dos maiores expoentes no Brasil.

"Não são de esquerda, mas sempre propuseram uma visão atual de 'modernismo conservador'. São mais abertos ao diálogo, com uma teologia que pensa mais a realidade", explica Flávio Pierucci, sociólogo e professor da USP.

Esse espírito sempre se refletiu na pedagogia do colégio.

"O Santa Cruz sempre foi mais de vanguarda, visto como liberal. Só não gosto quando esse olhar é visto numa perspectiva religiosa. Tenho um pouco de medo de que os outros nos vejam assim", diz o diretor do colégio, Fábio Aidar.

O Santa Cruz é um colégio católico em que predomina a cultura ecumênica. A linha pedagógica é independente. A direção é leiga (gerida por profissionais não necessariamente religiosos) e a catequese é optativa -dois terços dos alunos participam dela.

Foi a redução drástica no número de ordenações de padres da organização canadense que determinou a fusão. Trata-se de fenômeno global -há menos padres hoje que antigamente. No Brasil, atualmente eles são apenas sete (já foram mais de 20).

Já na organização americana a média se manteve e hoje há 20 irmãos (como os padres, os irmãos fazem os votos de pobreza, castidade e obediência).

O voto pela fusão foi unânime entre os membros da congregação. O objetivo é unificar forças e ganhar musculatura.

A congregação de Santa Cruz foi criada no século 19 na Europa. No Brasil, recebeu missões americanas e canadenses nos anos 1940 e 1950.

Os americanos fundaram dois colégios, um em Santarém (PA) e outro em Campinas (SP). Este último, o Notre Dame, tem alunos com perfil socioeconômico semelhante ao do Santa Cruz, mas ainda não viveu uma direção leiga em sua plenitude e, nos últimos anos, perdeu alunos.

A congregação, que, além das escolas, mantém paróquias e obras sociais, trata de formalizar a fusão em termos tanto civis quanto canônicos.

Na próxima segunda, a entidade fará uma reunião para tratar da transição. "Teremos que criar um novo sistema administrativo. Todas as atividades da congregação passarão por uma gestão única. Vai ser um processo longo e complexo", diz Oliveira.

Por exemplo, para obter isenção fiscal como entidade sem fins lucrativos, o colégio Santa Cruz segue meticulosamente uma organização própria que precisará ser preservada.

Quanto à perspectiva canônica, a fusão ainda não está clara. Enigmático, o padre José arrisca: "É simples: havia duas organizações que se reportavam a duas províncias. Agora, uma pertence à outra. O que eram dois vira um".

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