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Bichos

SÍLVIA CORRÊA - correa-silvia@uol.com.br

O mistério dos sagüis

Eles têm caído das árvores e viram presa fácil; a principal suspeita é envenenamento

Moro em uma área de proteção ambiental. E, como tudo na vida, a opção tem prós e contras. Além do verde e do absoluto silêncio, os prós incluem a presença de muitos bichos -da revoada de papagaios ao amanhecer à festa dos saguis no final do dia. Os contras, porém, também incluem a presença de muitos outros bichos.

Quando compramos a casa, herdamos um terreno imundo do qual retiramos dezenas de caçambas de mato, lixo e muitas cobras. Por alguns dias, os achados nos roubaram o sono. Acidentes ofídicos são muitas vezes fatais. E quanto menor o animal picado, maior o estrago - um pesadelo numa família que inclui cães de 7 kg a 35 kg.

Só neste mês, nos hospitais veterinários em que trabalho, atendemos a três casos desse tipo. O primeiro cão teve sorte: o animal chegou à emergência tão inchado quanto um sharpei, mas o edema cedeu a uma dose de antialérgico e ele foi para casa abanando o rabinho.

Os outros quadros foram muitíssimo piores. Um pequeno teckel morreu e uma labradora, picada provavelmente por uma cascavel, perdeu por necrose toda a pele da face e do pescoço. A visão é assustadora: tem-se -vivo e em movimento- um animal idêntico aos que dissecamos para estudar os feixes musculares nas velhas aulas de anatomia. A única alternativa é tratar a ferida até que esteja em condições de receber um enxerto da pele do dorso. É caro, dolorido e sem resultados previsíveis.

Foi para evitar cenas como essa que gastamos boa parte de nossas salários nos últimos meses limpando e gramando todo o terreno - exceto, claro, a APP (Área de Proteção Permanente), que não pode ser mexida e foi isolada. As cobras sumiram (ou se mudaram para a APP). E os ratos, por aqui, nunca apareceram.

Mas manter a limpeza e a segurança do terreno dá um trabalho danado. Ou se paga pela manutenção ou se gasta os fins de semana rastelando o pátio e inspecionando debaixo dos arbustos para ver se ninguém andou fazendo ninho por ali.

Por isso, há quem prefira outro caminho: jogar veneno. Tenho vizinhos adeptos da prática. Outro dia um deles resolveu cobrir o próprio telhado com um produto para matar os ratos que estariam tomando conta do sótão (deveria estar uma maravilha o lugar). Resultado: um bando de sabiás achados mortos pelo condomínio.

O feito mais recente ainda tem autor desconhecido, mas as vítimas têm sido os saguis. Eles têm caídos das árvores e, quando são encontrados, já não há o que fazer.

Na semana passada, porém, um filhote foi socorrido ainda com vida. Internado, não mexia um único músculo. Radiografado, não tinha nenhuma fratura. Os veterinários praticamente descartaram doenças virais e as suspeitas recaem, agora, sobre um possível envenenamento.

Na sexta, ele voltou a movimentar braços e pernas. Mas, se sobreviver, as sequelas o impedirão de voltar a seu habitat. Diante dele nos sentimos no espelho. Em expressões e movimentos, somos iguais. O problema é que ele não fala. E nunca nos dirá o que tem acontecido com seu bando. Na dúvida, é hora de trocar o veneno pela limpeza dos terrenos.

AMANHÃ EM COTIDIANO
Jairo Marques

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