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Minha História Joana Coelho Lenz César, 37

Uma escritora de rua

Como surgiu a ideia dos misteriosos símbolos que a artista plástica Joana Coelho espalhou pelos muros do Rio

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DO RIO

RESUMO A artista plástica Joana Coelho Lenz César, 37, ganhou fama em 2011 ao ser identificada como a autora de misteriosas pinturas de símbolos até então indecifráveis espalhadas por muros da zona sul do Rio. Suas pinturas eram textos escritos com um alfabeto codificado e escondiam, dentre outras coisas, suas fantasias eróticas. O código foi quebrado por um estudante de matemática, Paulo Orenstein -que, em respeito à artista, não o revelou.

Nasci no Humaitá [zona sul do Rio] e, quando tinha dois anos, meus pais compraram um sítio em Jacarepaguá [zona oeste], um lugar lindo onde eu morei até os 16.

Eu já tinha um irmão mais velho e eles queriam dar para os filhos uma infância diferente da que tiveram, com mais natureza. Minha mãe tinha um clima meio riponga.

Ela é artista plástica e transformou um galpão do sítio em um ateliê.

Ele ficava ao lado de uma rua muito pobre, e minha mãe fazia uma escolinha de arte para um grupo de 30 crianças dessa rua, e eu fazia parte dessa escolinha.

Tive muito contato com arte e com natureza.

Quando eu estou na rua trabalhando, ou preciso escalar alguma coisa, subir num muro, um viaduto, tenho uma sensação de alegria que tem a ver com a minha infância, com essa época.

A primeira coisa que eu quis fazer foi literatura.

Comecei a escrever quando adolescente, mas sempre tive dificuldade de mostrar o que eu fazia. Não sou tímida, não sei por que essa dificuldade para me mostrar.

Foi nessa época que inventei o código. Ele servia apenas para eu poder manter um diário sem o risco de o meu irmão mais velho ler. Eu fazia esse jornalzinho diário em que eu colocava meus sonhos, minhas paixões.

Adolescente tem muito isso, né?

Passei muito tempo sem olhar para esse código, voltei a olhar para ele dez anos atrás, quando comecei a pintar na rua.

No começo, eu procurava lugares que sabia que iam ser cobertos pela publicidade ilegal. Queria ver meu trabalho atrás dos papéis, incorporado. Meu trabalho todo tem a ver com cobertura, camada, esconderijo.

Eu sempre pintei sozinha na rua e, para mulher, é perigoso. Fui detida três vezes, na Barra da Tijuca, no meu período de vândala. Levei um tapão uma vez.

Com a experiência, descobri que a atitude suspeita é tudo: se eu pinto um muro à noite, com a mochila nas costas, olhando para os lados, a polícia com certeza vai me dar uma dura se me vir.

Se eu fizer a mesma pintura num sábado, às 11h da manhã, com a mochila aberta no chão, as tintas espalhadas, a polícia passa e não para.

Aí fui me soltando na rua, comecei a fazer o alfabeto nessa época.

Foi uma maneira de criar uma camada que não existe, funciona na minha cabeça.

O que está escondido precisa ter um motivo para estar escondido. Uma receita de bolo não precisa estar escondida. Por essa razão, desde o começo eu escrevi coisas que davam sentido ao código.

Eu tinha medo de que alguém decifrasse o alfabeto, mas, ao mesmo tempo, queria isso, senão não teria feito na rua. Para mim era quase um jogo, deixei recados para um eventual descobridor.

Um dia, uma prima estava com um grupo de amigas, parou num sinal ao lado de uma pintura minha e uma das amigas comentou: "Meu filho está trabalhando para decifrar esse alfabeto", e minha prima disse que era eu que fazia. Aí ela me colocou em contato com o Paulo.

Eu achei o máximo alguém ter dedicado um tempo a isso. Depois, fiquei sem saber o que fazer. Para mim perdeu o sentido esse trabalho da escrita em código. Isso foi positivo para o meu trabalho, preciso de um novo norte.

Eu fui muito insistente com esse trabalho de pintura de rua. No começo, minha família me achava uma vândala, era a ovelha negra clássica.

O reconhecimento mudou tudo, é muito engraçado isso. "Tia, se você lembrar bem, é aquilo que eu fazia."

"Ah, mas agora tem matéria na imprensa, exposição." Acho isso curioso, mas estou supercontente.

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