Índice geral Cotidiano
Cotidiano
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Antonio Prata

Insônia

Mundo, mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Sônia, seria mulher e não resolveria a minha insônia

É UM caminhão de lixo lá longe ou o pressurizador de água aqui em cima? Talvez um pernilongo. Não, pernilongo faz zuimmmm e isso faz roooooooom. Rom, tipo CD-ROM. Ninguém mais fala em CD-ROM. Virou só CD. Que fim levou o ROM? Tinha gente que falava RUM: CD-RUM. Naquela época, podiam fazer uma garrafa de rum em forma de CD e dar de presente pra todo mundo que falava CD-RUM. Ceder rum. "Você quer ceder rum?" Um estrangeiro talvez pedisse assim uma bebida. Se alguém tivesse me cedido um rum eu talvez já tivesse pregado o olho e não tava aqui, me revirando. Que imagem horrorosa, pregar o olho: como se alguém fosse capaz de dormir com os olhos pregados. Édipo pregou o olho, mas não foi para dormir. Preciso arrumar o armário de ferramentas. Uma vez o meu avô deu pra mim uma tábua cheia de pregos paralelamente dispostos para pendurar chaves de fenda, alicates, martelo. Os faquires dormem numa cama de pregos. E eu, que não sou faquir, não prego o olho nem sobre esse colchão de espuma. Puma é um bicho meio besta. Nariz empinado. Se é pra não ter juba, sou mais o leopardo. Ou mesmo a onça. Será que a nova posição do Brasil no cenário internacional vai deixar a onça mais gabaritada? Gabaritada. Gabarito. Ga-ba-ri-to. Otirabag. (É gabarito ao contrário.) O tira bag: o policial mala? Ou o "bell boy", que tira as malas? "Bell boy" = menino sino. Deve ter sonhos eróticos com a Sininho. Bela duma gostosa a Sininho. Desenho animado, também, quando resolve fazer umas gostosas... Na boa, mesmo a Wilma Flintstone... M.I.L.F. Édipo é que entendia disso. Matou o pai, pegou a mãe -e não foi ao cinema, porque na Grécia antiga... Mas se for o pressurizador, porque tá funcionando, a essa hora? Não tem torneira ligada. Será que tá vazando água? É só o que faltava. Preciso ver isso amanhã. E arrumar o armário de ferramentas. Aprender francês também não seria nada mal. Tanta coisa que ainda falta fazer. Primeiro, dormir. Depois os canos, o armário, aprender francês, por que não? Começar a fazer abdominais? Taí um troço chato. Mas diz que funciona. Eu corro, corro, corro, e esses pneuzinhos, necas. Neca Mena Barreto. Quem diabos é Neca Mena Barreto? Se eu não sei quem é Neca Mena Barre-to, por que tô aqui agora, quatro e meia da manhã, de olhos abertos, no meio do quarto, na borda da cidade, ao sul do Brasil, no Ocidente do globo, girando em torno do sol, pensando em Neca Mena Barreto? NMB era uma marca dos rolamentos para skate quando eu tinha 12 anos. Eixo independente, rodas Rat Bones. Shape Powell Peralta. Tinha gente que falava "Poli Peralta". O mesmo tipo de gente que falava CD-RUM? Who? Hum, hum. Um, dois, três. Contar carneirinhos, vamos lá. Eu tento, mas aí, putz, surge a Sininho pelada, a Wilma Flintstone, Édipo, Neca Mena Barreto. Who da hell. Mundo, mundo, vasto mundo. Se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima, não seria uma solução. Mundo, mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Sônia, seria mulher e não resolveria a minha insônia. O Laerte é um gênio, no traço e na vida. É um caminhão de lixo? Ou apenas o barulho dos pensamentos, o chorume sonoro das ideias que só agora eu ouço, em meio a esse silêncio ensurdecedor?

antonioprata.folha@uol.com.br
@antonioprata

AMANHÃ EM COTIDIANO
Pasquale Cipro Neto

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.