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Análise

Com morte de acadêmico, país perde combatente aguerrido

LUIZ FERNANDO DIAS DUARTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1973, foi publicado um livro curto, de aparência despretensiosa, chamado "A Utopia Urbana: Um Estudo de Antropologia Social".

Seu autor era um jovem intelectual, recém-chegado de um doutorado nos EUA, professor do então recente programa de pós-graduação em antropologia social do Museu Nacional (Rio).

Gilberto Velho começava ali uma brilhante carreira acadêmica, associada a uma antropologia urbana que ele foi pioneiro em construir no Brasil.

Aquele trabalho deslocava o foco da pesquisa para o cerne urbano de uma sociedade em rápida modernização, às voltas com toda sorte de problemas sociais. E isso, vale lembrar, num momento histórico em que o autoritarismo político vivia seu ápice.

Essa complexidade e essa instabilidade exigiam um esforço de interpretação que não recorresse apenas às grandes teorias, mas fosse às pessoas, as ouvisse e tentasse compreender suas motivações e impulsos.

COPACABANA

"A Utopia Urbana" se baseava em entrevistas diretas e densas com os moradores de um prédio de apartamentos da frenética Copacabana, gente que se deslocara de bairros distantes para compartilhar das benesses cobiçadas da zona sul carioca: novas formas de lazer, de sociabilidade, recursos diferenciados de vida.

Creio que o último de seus trabalhos tenha sido um artigo ainda inédito sobre as relações entre os patrões de classe média e seus trabalhadores domésticos.

Velho desvela aí, com o tom terno das evocações pessoais, a complexidade das tensas negociações de realidade que envolvem diferenças sociais e culturais, ethos econômico e religioso divergente, confrontos entre projetos de vida e trajetórias de sobrevivência contraditórias.

COMPROMISSO

Ele acaba de morrer.

É uma grave perda pessoal para todos os que o conhecemos, mas é sobretudo a perda de um combatente aguerrido, que, nas páginas dos jornais, nas aulas memoráveis, nos foros coletivos ou nos artigos científicos, nunca deixou de unir a competência acadêmica ao compromisso comum.

Ele, que tanto se dedicou ao estudo de projetos de vida, legou-nos o seu próprio como exemplo.

LUIZ FERNANDO DIAS DUARTE é professor do Museu Nacional/UFRJ e vice-presidente da Associação Brasileira de Antropologia

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