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Justiça dá a viciado direito de circular pela cracolândia

Decisão de tribunal atende a pedido de dependente que mora na região

Homem só poderá ser abordado pela PM se houver fundada suspeita de que esteja cometendo um crime

Eduardo Anizelli-2.fev.2012/Folhapress
Usuários de crack se dispersam na região da cracolândia com a chegada da PM
Usuários de crack se dispersam na região da cracolândia com a chegada da PM

JOSMAR JOZINO
RAFAEL ITALIANI
DO “AGORA”

Um dependente de crack conseguiu no Tribunal de Justiça o direito de não ser abordado pela Polícia Militar sem que haja suspeita justificada.

Frequentador da cracolândia, área degradada do centro de São Paulo que é alvo de uma operação policial desde janeiro, ele recorreu à Defensoria Pública depois de ser abordado 15 vezes por PMs no período de uma semana.

"[As abordagens da polícia] tiravam os meus direitos de cidadão, direitos básicos de ir e vir. Houve um exagero e comecei a ser proibido de andar em uma rua ou outra", disse Carlos Eduardo de Albuquerque Maranhão, 41.

Filho de uma família de classe média do Rio de Janeiro, o dependente de crack vive desde maio do ano passado na região da cracolândia.

Antes, ele afirma ter morado na Bahia e na Alemanha com sua ex-companheira. Foi o fim do relacionamento que o fez ter uma recaída e voltar a usar crack.

O dependente afirma que já tentou fazer três cursos superiores: direito em 1984, geografia em 2000 e filosofia em 2006. Nenhuma das vezes conseguiu concluí-los.

Hoje, vive da coleta de materiais recicláveis. Diz que precisa de R$ 20 por dia para bancar sua estada em pousadas baratas e alimentação.

OPERAÇÃO

A operação policial na cracolândia tem como principal objetivo acabar com o uso de crack a céu aberto na área central da cidade de São Paulo.

Logo em seu início, a PM chegou a usar bombas de gás e balas de borracha para espalhar as concentrações de usuários da droga. Em seguida, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) proibiu o uso desses artefatos na operação.

O clima entre dependentes e policiais continuou tenso a ponto de um carro da PM ser atacado por centenas de viciados após uma abordagem.

A Defensoria Pública registrou 82 denúncias de dependentes a respeito de supostos abusos policiais. O órgão chegou a imprimir panfletos nos quais explicitava os direitos dos cidadãos, sejam dependentes químicos ou não.

O panfleto, por exemplo, dizia que ninguém pode ser retirado de determinado local da rua contra a vontade. Também citava o direito de ir e vir das pessoas, agora concedido judicialmente a Maranhão. A PM diz que age dentro da lei.

CONFLITOS

Especialistas ouvidos pela reportagem dizem que há um conflito na decisão do TJ que beneficiou o morador de rua.

Para João Antonio Wiegerinck, professor da Escola Paulista de Direito, a Justiça precisa resguardar o direito individual do cidadão de ir e vir, mas deve assegurar o direito coletivo pela segurança.

"A polícia tem legitimidade para abordar o cidadão quantas vezes achar necessário, desde que haja uma suspeita contra ele", afirma.

Para o professor de direito processual penal da PUC-SP Marcelo Custódio Erbella, a legislação não deixa claro o que é uma "fundada suspeita" de que o indivíduo esteja praticando um ato ilícito.

"Uma abordagem não é objetiva. Muitas vezes o policial aborda o suspeito porque ele reagiu de maneira estranha ao ver a polícia. É subjetivo."

O promotor de Justiça Eduardo Valério afirmou que concorda com a decisão.

"Acho absolutamente correta e um precedente importante na defesa dos direitos cidadão face à violência do Estado", declarou.

Colaboraram AFONSO BENITES e ROGÉRIO PAGNAN, de São Paulo

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