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Bichos

SÍLVIA CORRÊA correa-silvia@uol.com.br

Tech e o rato suíço

Entre cães e gatos, a paralisia é, muitas vezes, uma justificativa para eutanásia e abandono

Foi notícia no final de semana. Pesquisadores suíços anunciaram que ratos paralisados por lesões na coluna voltaram a andar. O feito se deve a uma combinação de drogas injetáveis, estímulos elétricos e a forcinha de um braço robótico.

Suspensos por esse braço, os ratos foram notando que não cairiam se tentassem caminhar. E, surpreendentemente, após três semanas, deram os primeiros passos. As células nervosas conseguiram desviar da lesão e estabelecer novos caminhos entre o cérebro e as patas.

A descoberta é uma enorme esperança para vítimas de traumas que levam à perda dos movimentos. Vale para humanos, vale para animais. E, entre cães e gatos, embora seja possível adaptá-los a carrinhos, a paralisia é muitas vezes justificativa para eutanásia e abandono.

Foi assim com Tech, um gatinho de sete meses que foi atropelado e ficou paralisado. Ele apareceu em uma caixinha, na porta de uma clínica da capital, ao lado de um bilhete. Os donos diziam estar sofrendo, mas alegavam não ter dinheiro para bancar o tratamento. Sustentavam, assim, que abandoná-lo em uma clínica era um último gesto de amor. Amor? E concluíam pedindo que os veterinários o ajudassem porque, afinal, eles teriam escolhido a profissão por amor aos animais.

O drama de Tech leva ao extremo um dilema diário. Todos os dias, em quase todas as clínicas, veterinários enfrentam o conflito entre as condições financeiras dos proprietários e o custo dos cuidados adequados aos animais doentes. Não é fácil.

As pessoas entram nas clínicas porta adentro, muitas vezes descontroladas, e despejam sobre quem aparecer pela frente toda a ira pela falta de dinheiro, pelo marido que chega embriagado, pelo filho reprovado na escola, pelo trânsito que bate recordes. Querem tudo para ontem... e, claro, de graça.

Do outro lado do balcão está alguém que paga pelos remédios que usa, que vive do que ganha atendendo animais, que também tem problemas familiares e que lida, todos os dias, com a enorme frustração de não poder salvar todos os bichos do mundo.

Não há receita para o fim desse impasse, mas há passos que podemos dar. De um lado, quem se dispõe a ter um animal precisa ter a clareza de que bicho exige cuidados, ração, atenção, passeio. E isso custa -tempo e dinheiro.

De outro, quem decide viver de cuidar de animais tem de ter responsabilidade social -aliás, como deve ter qualquer profissional.

Só que essa é uma decisão pessoal. Não se pode obrigar alguém a ajudar. E se os veterinários dessa clínica não pudessem operar Tech? E se não tivessem recursos -técnicos mesmo? Arcariam com a decisão da eutanásia? Por que eles e não os donos do animal? De quem é a responsabilidade?

Bom, Tech foi operado e adotado, mas nunca voltou a andar. Morreu dia desses, com pouco mais de dois anos, de complicações decorrentes da falta de movimentos. No futuro, quem sabe, o ratinho da Suíça ajude a mudar o final de histórias como essa.

AMANHÃ EM COTIDIANO
Jairo Marques

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