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José Eli da Veiga

A gravidez acidental da cúpula

AO PAUTAR a Rio+20, a ONU mirou no que viu, mas só acertará no que não viu.

Queria que o meio ambiente passasse a ser zelado por agência especializada, como ocorre com 14 outros temas, que vão dos alimentos ao turismo, passando por saúde ou trabalho. Contudo, há 35 anos os EUA proíbem ampliações da burocracia internacional.

Então, até correios permanecerão mais importantes na estrutura da ONU do que cuidar da biosfera, função de reles programa: o Pnuma.

Também queria destravar o desenvolvimento sustentável com uma "economia verde", definida pelo Pnuma como a que melhora o bem-estar e reduz desigualdades, sem piorar a pegada ecológica. Mas sofreu desmanche devido a quatro acusações vira-latas: marginalizaria objetivos sociais, criaria barreiras a exportações do sul, restringiria a ajuda oficial aos países pobres e violaria o "princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas".

Mesmo assim, a composição da ode "O Futuro Que Queremos" gerou uma trinca de consensos globais cujas implicações dependerão da rodada de negociações iniciada ontem, ou de coringas que saiam da manga do Itamaraty na 25ª hora.

É unânime a proposta de que em 2015 sejam adotados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Haverá um triênio de esforços focados na legitimação de métodos de avaliação da insustentabilidade global.

Malgrado 20 anos de proliferação de indicadores de sustentabilidade ambiental e de inovações no IDH, nenhuma proposta emplacou. Também será inevitável que esse processo ajude a destravar a traumática substituição do PIB por medida menos tosca de desempenho econômico, certamente de consumo.

Para a crucial transição energética, é unânime que o acesso à eletricidade por 1,4 bilhão de excluídos deva ser requisito do desenvolvimento sustentável, seja qual for o delírio que sobre ele se escolha. Mas permanece duvidoso um bom acordo sobre o principal dos seis parágrafos dedicados à questão: dobrar, até 2030, tanto a taxa de aumento da eficiência energética quanto a participação das renováveis na matriz energética global.

No tocante ao papel dos oceanos -que supera o das florestas na regulação térmica da biosfera-, cai como luva o lugar comum "antes tarde do que nunca". Com 40 anos de atraso, o azul será louvado em merecidos 20 parágrafos, que não deverão sofrer sérias emendas.

JOSÉ ELI DA VEIGA, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP e do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), é enviado especial da Folha à Rio+20.
Site: www.zeeli.pro.br

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