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 10ª Festa Literária Internacional de Paraty

Lirismo e memória abrem Flip em homenagem a Drummond

Antonio Cícero mostrou atualidade de poeta, e Silviano Santiago lembrou vida do mineiro

Para Santiago, poesia de Carlos Drummond faz sucesso porque sistematiza contradição entre razão e emoção

Adriano Vizoni/Folhapress
O escritor mineiro Silviano Santiago em palestra sobre Carlos Drummond de Andrade
O escritor mineiro Silviano Santiago em palestra sobre Carlos Drummond de Andrade

FABIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PARATY (RJ)

Duas conferências, uma mais lírica, outra mais acadêmica, abriram ontem à noite a décima edição da Flip, em homenagem a Carlos Drummond de Andrade.

Coube ao poeta e filósofo Antonio Cicero a parte mais poética e agradável, e ao professor universitário, escritor e crítico Silviano Santiago a fala mais memorialística.

A tarefa de Silviano, como ele próprio já definira antes mesmo de ir a Paraty, era inglória: traçar em meia hora um panorama da obra poética daquele tido por muitos como o maior poeta do país.

Já Cicero optou por partir do micro para iluminar o macro, escolhendo um poema, "A Flor e a Náusea", como guia e atestado da modernidade de Drummond.

Lido magistralmente por Cicero -que, como bem lembrou o curador Miguel Conde na apresentação, referindo-se a hits compostos por Cicero com e para a irmã Marina Lima, "talvez seja um caso único no mundo de filósofo que tem sua obra tocada no rádio quase diariamente"-, o poema começa assim:

"Preso à minha classe e a algumas roupas,/ vou de branco pela rua cinzenta./ Melancolias, mercadorias espreitam-me./ Devo seguir até o enjoo?/ Posso, sem armas, revoltar-me?".

Integra "A Rosa do Povo", livro de 1945 que traz a marca do "choque social" da poesia drummondiana.

Mas, lembrou Cicero, na antologia poética que ele mesmo organizou, Drummond não incluiu "A Flor e a Náusea" na seção do "choque social", mas na do tema do indivíduo. "Seu verdadeiro assunto é a experiência da maravilha do surgimento da poesia num mundo que lhe é inteiramente inóspito", observou o filósofo.

Cicero demonstrou como os versos são atuais, ao abordarem o esgotamento do indivíduo face a um mundo em desajuste.

"Se não temos mais tempo livre, é porque praticamente todo nosso tempo está preso ao princípio do trabalho, ou melhor, do desempenho".

"Não estamos livres nunca porque nos encontramos numa cadeia utilitária em que o sentido de cada coisa e pessoa é ser instrumental para outras coisas ou pessoas. Nada e ninguém jamais vale por si, apenas como um meio para outra coisa ou pessoa."

VIDA E OBRA

Silviano, que assim como Cicero falou por 32 minutos, leu sua aula de modo mais rápido, como a correr para cumprir o tempo estipulado.

Tratou o século 20 como "o irmão mais velho de Drummond" e entrelaçou biografia e obra do poeta.

Desde o "namoro com a política", quando "descobre-se um poeta preocupado com o homem e com as grandes causas humanistas", à fase madura, em que passa "a se deleitar com a lembrança da infância feliz em Itabira [...], "aos valores rurais e patriarcais inscritos na tábua da lei mineira de família".

É quando, para Silviano, emerge "o tardio Proust mineiro", alusão ao papel primordial da memória nesta fase da obra de Drummond.

Na visão do professor, o êxito de público e crítica de Drummond "advém do fato de que sua obra sistematiza de forma complexa e original a oposição e a contradição entre razão e emoção, entre Marx e Proust, entre a revolução político-social instauradora de uma nova ordem universal e o gosto pelos valores tradicionais do clã familiar dos Andrade".

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