Fliperama - Antonio Prata

Partida

ONTEM À noite começou a 10ª Flip, mas também ontem à noite o Corinthians jogou a final da Libertadores -e, diante de um acontecimento tão crucial para a história da humanidade, parece-me de uma atroz insensibilidade literária ocupar este espaço falando de literatura.

"Lutar com palavras" pode ser "a luta mais vã", como escreveu Drummond, o autor homenageado neste ano, mas só até compararmos a batalha da pena à peleja das chuteiras, ainda mais inútil e angustiante -"Entanto lutamos/ mal rompe a manhã".

Quando romper a manhã de quinta, você abrir o jornal e a turma de aros grossos der seus primeiros tropeços pelas pedras de Paraty, a América já terá um campeão, mas eu, que escrevo na quarta, escravo das rotativas, ignoro o destino que os deuses e os homens deram à grande partida.

Só me resta, portanto, torcer para que se apliquem ao dia de hoje estas sábias palavras, escritas por Drummond, após a conquista da Copa de 1958: "Essa vitória tem o encanto de abrir os olhos de muita gente para as discutidas e negadas capacidades brasileiras de organização, de persistência, de resistência, de espírito associativo e de técnica. Não se trata de esconder nossas carências, mas de [...] assinalar o avanço que nossa gente vai alcançando na descoberta de si mesma".

Agora, se um vento terrível e improvável soprar no Pacaembu, saibamos que perdemos o bonde, não a esperança, pois "...Perder é tocar alguma coisa/ mais além da vitória, é encontrar-se/ naquele ponto onde começa tudo/ a nascer do perdido, lentamente".

Aconteça o que acontecer, nos próximos dias estarei cercado pelos dois melhores companheiros encontrados pelo homem, em três milênios de civilização, tanto para o consolo quanto para a celebração: cachaça e literatura. Brindemos, pois, e gritemos "sim! Ao eterno".