Índice geral Cotidiano
Cotidiano
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Walter Ceneviva

O veto ao veto

O poder de barrar é uma das razões pelas quais a sexagenária ONU não corresponde a seus fins

O VETO da Rússia e da China à resolução da ONU contra o governo da Síria passaria despercebido entre nós se fosse menor o número dos filhos do Oriente Médio que aqui habitam. Sem pôr o problema sírio na balança, o veto em si mesmo é inaceitável quando um dentre cinco países ou todos em conjunto anulem vetando (sem explicar por que) uma decisão que seria da competência do Conselho de Segurança da ONU, impondo sua vontade.

O veto é uma das razões pelas quais a sexagenária ONU não corresponde a seus fins. Repete atos e fatos que liquidaram o Pacto da Sociedade das Nações, após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O objetivo do Pacto (manter o equilíbrio e a paz entre as nações) já era papel de segunda classe dez anos depois daquele conflito. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) confirmou o erro e nela morreram 30 milhões de seres humanos, na maioria civis. Entre 1918 e 1939 (do fim de um conflito ao começo do outro), cresceu a convicção da paz impossível. Os dois exemplos não serviram para grande coisa.

Assinada a Carta das Nações Unidas, em 1945, repetiu-se 1918. Acrescentou-se a criação da ONU. Proclamou-se a preservação do ser humano contra flagelos da guerra, além de garantir valores essenciais da paz e dar tratamento igual para todas as nações. Mas, hoje, a carta não é padrão de referência para tais finalidades. Indo à história percebe-se, no terceiro milênio, a pouca utilidade da envelhecida instituição supranacional, entre outras razões, pelo veto por qualquer dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.

Se não houvesse a ONU, seria pior? A pergunta é oportuna, mas não há bom padrão de referência atual para uma resposta. Sabemos apenas que os poderosos continuariam dominantes. A descrença subsiste quando não sabemos o que eles pensam a respeito. Às vezes nem eles sabem, ante a mudança de direção nas ditaduras e nas democracias. Talvez sirva de exemplo a superada doutrina unilateralista do ex-presidente dos EUA George W. Bush.

Um pouco de história ajuda na avaliação. A Carta da ONU foi escrita em chinês, francês, russo, inglês e espanhol. Excluiu centenas de idiomas, incluído o português, sem considerar que o Brasil contribuiu com sua Força Expedicionária e sua Força Aérea na Itália. Cedeu o aeroporto de Natal, como meio caminho para voos seguros das fortalezas voadoras dos EUA na chegada à Europa.

Essa realidade deve ser conferida com a competência do Conselho de Segurança das Nações Unidas (órgão nuclear das decisões, informador da Assembleia Geral), com cinco membros permanentes (China, França, Rússia, Reino Unido e EUA, este escolhido para sede, da ONU, em Nova York), que têm o direito do veto. Os dez membros temporários são escolhidos pela Assembleia Geral, a cada dois anos, proibida a reeleição.

O veto silencia a voz do Conselho de Segurança, até pela simples ausência do membro permanente em reunião convocada. Se não for, entende-se que vetou. Quando a norma foi aprovada, havia na ONU algo como quarenta países, mas o veto continua, quando já se chegou a duzentas nações. Convém dar à ONU papel correspondente a seu nome. Entre outras alterações será bom começar com a extinção do veto. Quanto mais depressa, melhor.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.