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Jairo Marques

Patrimônio de toda a humanidade

Os bons arquitetos se empenham para garantir que os feitos da civilização sirvam ao deleite de todos

OS CORREDORES não terminavam nunca. Apesar de haver alguma iluminação, o silêncio e as paredes sóbrias começavam a me dar um medinho. Estaria mesmo aquele segurança levando a mim e a minha deusa para um elevador exclusivíssimo?

Caso não fôssemos jogados em uma masmorra devido às toneladas de sorvete italiano que havíamos consumido pelas ruas naqueles dias, o sufoco valeria a pena.

O caminho "sui generis" leva ao acesso que deixa os visitantes juntinho às "chamas da vela" do apelidado "bolo de noiva" de Roma -o Monumento a Vitor Emanuel 2º- e, consequentemente, a uma das vistas mais lindas da cidade eterna.

"Essas paredes foram feitas para aguentar bombardeios. Isso aqui foi rota de fuga e área para a proteção do ditador Benito Mussolini. Agora, abrigam exposições e levam até o elevador, que fica meio escondido, mas ajuda, não é?!"

E, por todos os estonteantes símbolos históricos de Roma e também de toda a humanidade, havia caminhos facilitados para que pessoas "prejudicadas das pernas" como eu, que fossem entrevadinhas ou que fossem claudicantes -iguais a Cláudio, o imperador!­-, pudessem encantar os olhos, alegrar a alma e rechear os miolos com suas formosuras, seus mistérios, suas cargas informativas e emocionais.

No Vaticano, tem rampa para todos os lados e elevador para ficar pertinho da "travessura" de Michelangelo, na Capela Sistina. Velhinhos e velhinhas são bons rezadores, enfermos buscam redenção, papas ganham músculos mais frágeis com o tempo. Então, não há obstáculos físicos para visitar a basílica de São Pedro.

Bons arquitetos se empenham e se esmeram no mundo todo para garantir a lógica e humana convivência entre manter intactos os grandes feitos da civilização e, ao mesmo tempo, dar garantia para que eles sirvam ao deleite de todos.

Um patrimônio da humanidade que exclua alguém por suas características físicas, sensoriais ou de idade não faz jus a título tão nobre. Logo, seja a diversidade bem-vinda ao Coliseu, onde foi desenhada uma rota "maraviwonderful" e com plena acessibilidade.

E diante dos degraus imponentes do Palácio Real Holandês, em Amsterdã? Todos os dias, em horas de visitação pública, os guardas instalam rampas móveis que, embora horrorosas, levaram com segurança a mim e a minha cadeirinha de rodas para aquele desbunde de obras de arte fascinantes e de ornamentos de fazer a alma dar risada.

Em Berlim, ninguém é impedido de chegar perto de nada, nem mesmo do "terror topográfico" de um museu que abriga bons metros do vertiginoso muro divisor e documentos sobre os calabouços nazistas.

Não dá para tratar as diferenças de necessidades das pessoas para curtir um visual, para passear em um lugar de interesse de qualquer ser vivente, como uma cabeça de leitoa da qual ninguém sabe o que fazer.

Já li e ouvi várias situações nesse sentido, colocadas por sabichões defensores do patrimônio tupiniquim, que tentam escudar predinhos brasileiros de 200, 250 anos que não fazem o menor sentido sem que deles qualquer cidadão possa desfrutar.

jairo.marques@grupofolha.com.br

AMANHÃ EM COTIDIANO
Antonio Prata

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