Texto Anterior
|
Próximo Texto
| Índice | Comunicar Erros
Júlia quer ir à escola Após passar a noite numa barraca de sem-teto, menina não consegue chegar a tempo da aula
RICARDO GALLO DE SÃO PAULO Enquanto policiais mandavam um grupo de sem-teto esvaziar um prédio invadido na avenida Ipiranga, centro de São Paulo, na terça-feira, Júlia, 7, só pensava em não deixar para trás todo o seu material escolar -mochila, três cadernos, lápis e borracha. Em protesto contra a reintegração de posse, a família (pai, mãe, ela e uma irmã de dois anos) e parte dos sem-teto decidiram acampar na av. São João, em frente à Secretaria Municipal de Habitação. Nas barracas de lona, Júlia guardou o material na cômoda ao lado da cama montada sobre o chão da rua. Paula Renata Andrade, 31, a mãe, diz que a filha não queria perder a aula no dia seguinte. Ainda haveria a noite pela frente, a primeira da família Andrade na rua. Eles estavam no prédio da Ipiranga desde o final de 2011, quando foram obrigados a deixar um quartinho em que viviam de favor em Guaianases, zona leste. Fazia frio e a lona da barraca não impedia o vento de entrar. Mesmo protegida por cobertores, a menina acordou com os lábios rachados pelo frio, e o corpo dolorido pela cama dura. "Tava muito frio, parecendo gelo", disse. Na quarta, ela acordou às 7h com preguiça, esperando o relógio marcar as 10h, diz a mãe. Júlia sabe que o banho antecede a ida para o colégio. Ela entra às 13h na escola estadual Prudente de Moraes, na avenida Tiradentes, a 1 km do acampamento. PORTÃO FECHADO Depois do café da manhã (um copo de refrigerante e pão com manteiga, doação de um restaurante), a mãe conseguiu que ela tomasse banho em outro prédio invadido na Ipiranga. Só que havia fila, e Paula e Júlia demoraram mais do que o planejado. Chegaram às 13h08 à escola. Os portões haviam fechado. Paula ainda insistiu com uma funcionária, que negou a entrada. Júlia teve que voltar para o acampamento. "Não acredito que não me deixaram entrar", disse à mãe. Mesmo acampada, ela diz que incentivará a filha a ir à aula. "Queria dar continuidade, para ela aproveitar esse prazer que ela tem." A família não tem planos de sair tão cedo do acampamento, até porque não tem para onde ir. Paula, auxiliar de cozinha desempregada, concluiu o segundo grau. O sonho dela é que a filha faça curso superior. "Ela quer ser médica. Já tem o próprio sonho dela, vive dizendo: 'Mãe, quando eu virar médica, vou te dar uma casa e um carro'." Desempregados, a mãe e o pai vivem com os R$ 620 do seguro-desemprego dela, o que não dá para pagar aluguel e se sustentar, diz ela. Ontem, Júlia saiu mais cedo de casa e, enfim, foi à aula. Ao chegar, disse, orientada pela mãe, que faltou em consequência da reintegração de posse. O dono do imóvel conseguiu liminar para retomar o prédio um mês antes. - A Secretaria da Educação do Estado lamentou que a aluna tenha sido impedida de assistir à aula e disse que o conteúdo seria reposto ontem. Afirmou ainda que ia apurar a conduta da agente que atendeu Paula e Júlia. A Secretaria Municipal da Habitação disse que ofereceu às famílias retiradas do prédio na Ipiranga a possibilidade de ir para abrigos e que elas estão cadastradas em programas habitacionais. A família de Júlia não foi para abrigo pois isso a separaria. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |