Antonio Prata

Quatro agonias

NÃO HÁ nada a que Mikaela dedique tanto esforço quanto a esconder a mãe. Se virem dona Dirce, ela tem certeza, tudo estará acabado: as passarelas, o contrato com os produtos de beleza, o namoro com o Gianni até, quem sabe? Se virem dona Dirce, descobrirão a verdade que a sorte dissimulou em seu rosto. Saberão que aquelas maçãs proeminentes e aqueles olhos puxados, que dão a Mikaela um ar eslavo, uma mistura exótica de Ásia com Europa, que fazem dela uma espécie de Pocahontas esquimó -como uma irmã caçula da Björk- são apenas uma pequena variação da carapinha ordinária da dona Dirce. Verão no rosto de dona Dirce os traços rudes de seu avô Damião, seus calos, seus pés descalços, adivinharão a roça, sentirão o cheiro dos porcos e do monturo acumulado no fundo do quintal. Não há nada a que Mikaela dedique tanto esforço quanto esconder a mãe.

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Quanto mais ele sua, mais nervoso fica -o que, evidentemente, o leva a suar ainda mais. Se tirar o paletó para arejar, todos verão as pizzas sob os braços; se mantiver o paletó, o suor ficará abafado, entranhado no tecido, começará a cheirar mal, obrigando-o a andar com os braços colados ao corpo, a conversar a uma certa distância, e toda e qualquer risadinha que ouvir durante o evento jurará ser por sua causa, é dele que zombam e comentam: "Você viu o Oswaldo? O suor do Oswaldo? O cecê do Oswaldo? Meu Deus, que acontece com o Oswaldo?!".

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O segredo é contornar as palavras com R, é dizer "encantado" em vez de "muito pgazeg"; falar que passou o feriado em "Santos" e não na "pgaia" e que voltou pra "lida" e não pro "tgabalho". Quando não dá pra evitar o R, ao menos escolher o menor dos males, como "engagafamento" em vez de "tgânsito", "godovia" em vez de "estgada" -fingindo pular a consoante por pressa, não pela impossibilidade de pronunciá-la. Mas como fazer com seu próprio nome? Como escapar da maldição que seus pais lhe rogaram antes de saber de seu "pgoblema"? Como desviar dos dois Rs incontornáveis de "Godguigo"?

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O professor de educação física anuncia que um dos times jogará sem camisa, e é como se um laço de gelo enforcasse seu estômago. Se ainda estivessem na quadra do fundo ou se fosse terça-feira, quando a aula é mais tarde, mas não, é a quadra do pátio, durante o recreio dos mais velhos. O professor pergunta qual dos times quer ser o sem camisa e, petrificado, ele vê dois ou três garotos de sua equipe já arrancando as camisetas. Em seguida, os outros os imitam e logo só falta ele, todos o encaram; em um segundo seus pneuzinhos estarão à mostra e o Walter virá por trás e apertará seus peitos e gritará "tetinhas!" e seu rosto ficará vermelho e como é que ele vai conseguir ser respeitado e como é que ele vai conseguir parecer atraente aos olhos da Juliana B. e como é que ele vai conseguir chegar vivo até o fim do dia e voltar pra escola amanhã e depois de amanhã e depois de depois de amanhã?