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Opinião

Câmera em sala de aula é um atestado de falência

Protesto de alunos no Rio Branco contra aparato terminou com 107 suspensos

ROSELY SAYÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Os alunos do colégio Rio Branco, em São Paulo, realizaram um protesto genial. E, por isso, foram punidos.

É que eles manifestaram resistência contra a instalação de câmeras nas salas de aula que frequentam. Fato que nós, adultos, temos considerado normal. Temos aceitado as câmeras como se fossem absolutamente necessárias em nossas vidas.

Os alunos chegaram para as aulas do dia e na sala encontraram um elemento identificado, mas estranho ao contexto escolar. Cada vez menos estranho, entretanto.

As escolas estão se rendendo ao aparato tecnológico que vigia alunos e professores. A justificativa para o seu uso é semelhante em todos os lugares em que as câmeras são instaladas: segurança.

A escola, sempre é bom lembrar, tem a função de educar. Para a cidadania, inclusive, como costumam documentar a maioria dos projetos pedagógicos.

E qualquer tipo de educação escolar só se concretiza a partir da relação entre professores e alunos.

É a partir dessa relação que tudo acontece: ensino, aprendizagem, embates, conflitos, conhecimentos etc. Podemos dizer que é essa relação, uma relação de confiança, que viabiliza a educação escolar.

Pois bem: a presença de câmeras em sala de aula é um atestado de falência, assinado pela própria instituição, dessa relação.

Sinal de que imagens valem muito mais do que palavras, diálogos, conflitos, encontros e desencontros, regras e transgressões.

Transgressões, aliás, que costumamos aceitar e considerar como legítimas no futebol, esporte tão popular entre nós. Mas, na escola, não.

Depois do ato de resistência, os alunos envolvidos foram suspensos. Cento e sete alunos fora da sala de aula? Não sei porque, lembrei-me do conto "O Alienista", de Machado de Assis.

"Sorria, você está sendo filmado" tem sido um lema em nossas vidas. Sorrir de quê? Da situação de extremo controle e adestramento a que temos nos submetido, da desumanização das relações, da quebra de confiança no encontro que se dá entre pessoas?

Os alunos nos deram uma lição de cidadania com seu ato e receberam de volta um solene cala-boca. Oxalá eles não aprendam a se calar.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

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