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Minha História - Dayse da Silva Oliveira, 45

O Cabo Bruno que só eu conheci

Mulher do ex-PM, condenado por mortes em série nos anos 1980, conta como se uniu a ele na prisão

(...) Depoimento a

ROGÉRIO PAGNAN
DE SÃO PAULO

RESUMO A pastora evangélica Dayse da Silva Oliveira, 45, conheceu o ex-PM Florisvaldo de Oliveira, o Cabo Bruno, visitando a prisão como missionária. Foi pedida em casamento em um culto. Não queria aceitar, mas acabou unindo-se ao ex-PM, condenado a 117 anos de prisão por uma série de assassinatos nos anos 1980. Dayse estava com o marido quando ele foi morto, com 20 tiros, no mês passado em Pindamonhangaba (SP). Após o incidente, deixou o Estado e tenta recomeçar a vida.

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Ninguém conseguiu entender direito o que estava acontecendo. Nem ele. Nem nós.

Bruno estendia a mão para me ajudar a descer do carro, com seu jeito cavalheiro de ser, quando passou a ser atingido pelas costas.

Não disse uma palavra. Apenas olhou no vazio como se buscasse entender o que ocorria. Foram apenas poucos segundos antes de mais disparos. Seu passado, que tanto tentou deixar para trás, batia à nossa porta.

Conheci Florisvaldo em 2006, quando comecei a visitar presídios na região do Vale do Paraíba como missionária evangélica. Eu tinha 39 anos e desconhecia sua história. No Rio, de onde vinha, ninguém sabia quem era Cabo Bruno. Muito menos eu.

Ele era pastor evangélico havia 14 anos e, na prisão, recepcionava missionários e organizava cultos. Não foi amor à primeira vista.

BICUDOS

Todo mundo na prisão tinha um carinho por ele, mas não nos bicávamos. Não tínhamos nada a ver um com o outro. Era o doce e o azedo.

Foi nessa época que surgiu a história de que ele procurava uma companheira. Fazia 14 anos que tinha sido abandonado pela mulher. Ela não queria um marido evangélico.

Bruno havia pedido a Deus uma companheira, uma família. Estava ao lado dele num culto quando uma senhorinha se aproximou e disse: "Não precisa mais pedir porque Deus já atendeu ao seu pedido. Sua esposa já passou diante dos seus olhos".

Ele começou a chorar. E eu também, mas a primeira coisa que me veio no coração foi: "Faz isso mesmo, meu Deus. Seu servo precisa. Desde que não seja eu a escolhida".

Eu não queria de modo algum. Havia acabado de sair de um casamento de 21 anos e só queria sossego. Pensava nos "banquinhos" em que as visitantes de presos são obrigadas a se sentar para saber se não há nada introduzido no corpo. Nós, missionárias, não éramos revistadas dessa forma.

Pensava: "Eu não vou passar por isso. Acho muita humilhação". Nunca houve na minha família uma pessoa presa. Não era pra mim.

Dias depois, em outro culto, ele subiu o palco e, ao microfone, disse que queria se casar. Nunca tinha conversado comigo sobre esse tipo de assunto, mas eu implorava: "Meu Deus, não deixa ser eu".

Então, ele falou: "E ela está hoje aqui. E é você, missionária Dayse. É a senhora mesma. Casa comigo?".

Todos olharam em minha direção. Eu queria fugir. Começaram a gritar em coro: "Aceita! Aceita! Aceita!".

Eu só aceitei para o povo não ficar chateado. Até chorei quando cheguei em casa. Tinha a séria intenção de romper com aquele compromisso. E ele sabia disso.

REVISTA

Em um dos nossos primeiros encontros, Florisvaldo me entregou uma revista antiga. Pediu, então, que eu lesse para conversarmos.

Nela havia uma reportagem sobre o Cabo Bruno e a morte do filho dele, Bruninho. Depois que li, me perguntou: "O que você acha desse homem?".

Não achei que fossem a mesma pessoa. Os olhos eram diferentes. Parecia um parente dele, e foi isso que eu disse.

E a história, aliás, não me impressionou muito. Fui criada no morro, vi muitas coisas terríveis acontecerem. Tiroteio, mortes, o que é normal para os moradores do Rio. Eu tenho muitas experiências ruins. Vi muita gente morrer.

Então, não pesou muito para mim o passado dele, até mesmo porque via no culto que era uma outra pessoa.

FLORES

Foram meses até a primeira visita íntima. Entrei com as mulheres dos outros presos. Quando olho lá no fim do corredor, estava lá ele com um buquê de rosas nas mãos.

As outras mulheres perguntavam entre si: "Para quem é? Para quem é?". Eu abaixei a cabeça, de vergonha. Pensei: "Ai, meu Deus. Preso não faz isso. Preso é tudo durão, bravo. Ninguém dá rosas. Só comigo acontece essas coisas".

Ele havia plantado uma roseira na prisão e, a partir desse dia, sempre me esperava com rosas na mão.

Isso até provocou uma pequena crise, pois as mulheres dos outros presos passaram a exigir o mesmo. E eles pediam flores para o Bruno, que dizia: "As minhas, não".

Eu não estava acostumada a gentilezas e nem gostava muito disso. Ele era o feminino da relação.

Havia ficado casada dos 17 aos 38 anos e convivi com um homem muito violento. Esse comportamento agressivo foi o motivo da nossa separação.

Agora, tinha uma pessoa estilo Don Juan que me escrevia quase todos os dias. Tenho guardadas 972 cartas. Nos casamos em 18 de julho de 2008.

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