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OPINIÃO ECONÔMICA
Euro, um grande projeto político
MAILSON DA NÓBREGA
²
A Europa dos 11 -os países
que se qualificaram para a moeda única- inicia hoje mais
uma etapa de um ambicioso
projeto: consolidar um espaço
econômico, viabilizar a moeda
única, caminhar para uma federação e no final gerar uma identidade comum entre os povos de
diferentes línguas e etnias.
Foram muitas as dúvidas sobre a moeda única. Os mais céticos estão entre os economistas
dos EUA, como Milton Friedman, talvez porque os defensores da idéia costumem compará-la ao sistema monetário da
bem-sucedida federação americana.
Paul Krugman disse da dificuldade de convergir distintos
graus de produtividade e lembrou as crises dos mecanismos
de alinhamento automático das
moedas européias -precursores do euro-, que se iniciaram
com a serpente monetária
(1971). Irônico, disse que os europeus acreditaram tanto na
ilusão que a transformariam em
moeda única.
Merton Miller falou dos "choques setoriais assimétricos", que
ocorrem em apenas uma região.
Nos EUA, os trabalhadores mudam de um lugar para outro. Na
Europa, essa facilidade não
existiria, muito menos com seu
rígido processo trabalhista. Nos
EUA, o governo federal redistribui recursos em favor das áreas
afetadas. Na Europa, nem há o
governo federal, nem os burocratas de Bruxelas têm poder ou
legitimidade para tanto.
Martin Feldstein, catastrofista, lamentou que o compromisso dos europeus com o projeto os
levasse a implantar a moeda
única. Ele identificou nos choques assimétricos e em outros
problemas do euro as fontes de
tensão que terminarão em guerra.
Outros lembraram o fracasso
de experiências anteriores de
união monetária. No século 19,
naufragaram a União Monetária Latina e a União Monetária
Germânica. O padrão-ouro,
uma idéia similar, hoje serve
apenas para países que precisam atrelar sua moeda a outra,
como Argentina e Hong Kong.
Apesar desses alertas, a determinação política dos europeus
foi mais forte. O projeto ganhou
corpo, consolidou-se. Nos anos
70, iniciou-se a trajetória que
desembocou no euro.
Em 1971, criou-se a serpente
monetária. Em 1988, aprovou-se
o Relatório Delors, prevendo as
fases da união monetária. Em
1992, firmou-se o Tratado de
Maastricht, base jurídica da nova moeda.
O euro não é apenas o resultado de paciente trabalho de construção institucional. Integra algo mais ousado do que uma
união monetária. É na verdade
um grandioso projeto de união
política, com a Alemanha à
frente no papel de força motriz.
O chanceler Helmut Kohl, reconhecido como o grande baluarte da união monetária, certa vez disse que os alemães precisavam dela para controlar a si
próprios e nunca mais embarcar
em trágicas aventuras expansionistas.
Os alemães, como disse recentemente a revista "The Economist", resolveram trocar sua
forte moeda, o marco, pelo futuro euro, para "provar aos nervosos vizinhos seu permanente
compromisso com a integração".
Os franceses, como os alemães,
exaltam o objetivo político do
projeto. Para Giscard D'Estaing
e Helmut Schmidt, em artigo no
"O Estado de S. Paulo" (26/10/
97), "quando o euro se tornar
um sucesso estável, teremos dado grandes passos rumo ao objetivo político da união dos Estados europeus".
Os italianos surpreenderam.
Temia-se que seu complicado
sistema partidário dificultasse o
ajuste fiscal necessário ao seu
enquadramento. O medo de
perder status caso não se juntassem aos alemães e franceses
criou o ambiente que permitiu
ao primeiro-ministro Romano
Prodi mobilizar a classe política
a aprovar o ajuste.
Na Espanha, em Portugal e na
Irlanda o entusiasmo com a nova moeda é geral. Todos ganharam com a adesão à União Européia, principalmente com as
transferências para financiar
investimentos em infra-estrutura.
O compromisso político de todos os países com a moeda única
está refletido no poder explícito
que se delegou ao Banco Central
Europeu (BCE) para defendê-la.
É a primeira vez que um grupo
tão importante de países renuncia à soberania sobre a gestão
macroeconômica e a transfere
para uma autoridade supranacional. O fato de alguns dos
atuais líderes de esquerda defenderem uma contraposição
política ao poder do BCE não diminui o valor dessa decisão.
Em matéria especial sobre o
euro (11/4/98), a mesma "The
Economist", que jamais apoiou
a idéia, rotulou a nova moeda
de "uma aventura assustadoramente grande". O desafio, assim, é usar o forte componente
político do projeto para realizar
as reformas que o viabilizem. É
esperar para ver, mas parece
exagero apostar no fracasso.
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Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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