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ARTIGO
Inovação tecnológica, o novo paradigma
ROBERTO NICOLSKY
²
Uma nova gestão é a oportunidade de um balanço e da proposição
de novos paradigmas e metas. Na
ciência e tecnologia (C&T), em
particular, a gestão do seu ministério (MCT) iniciou-se no governo
anterior, o que nos dá cinco anos
de dados, 1993-1997, para uma
avaliação.
Em dados divulgados na imprensa, o MCT afirma que, em 1997, o
dispêndio em C&T do país teria alcançado 1,3% do PIB (a soma de
tudo o que o país produz em um
ano). Como o PIB foi de US$ 804
bilhões em 97, segundo o IBGE,
chega-se US$ 10,5 bilhões de dispêndios em C&T- destes, mais
de US$ 7 bilhões em recursos públicos. Há muitos que questionam
os critérios, as taxas de dispêndio e
os valores absolutos dessas contas.
Mas não é intenção do artigo discuti-las.
Entendo que a questão maior são
os indicadores de desempenho citados para justificar o dispêndio.
Eles revelam que um gasto desse
montante não tem uma inserção
significativa no desenvolvimento
econômico e social do país, pois
não atende à necessidade de competitividade de nossos produtos
nem às novas tecnologias essenciais à elevação do bem-estar social.
Esses dados são complementados pela nova edição do "Indicadores Nacionais de C&T" 1990-96,
publicado pelo MCT, mostrando
um crescimento retroativo dos
dispêndios do país com C&T.
A nova edição e os dados acima
revelam que o gasto médio anual
em C&T, de 1993 a 1997, teria sido
de 1,1% do PIB. Ou seja, R$ 42 bilhões nesses cinco anos, mais do
que os recursos do FMI.
Em termos de desempenho, são
apresentados como conquistas os
fatos de que a oferta de bolsas de
graduação/pós-graduação cresceu, até 97, a uma média de 12% ao
ano, e o número de artigos científicos publicados nas revistas internacionais indexadas, chamados de
"papers", cresceu mais do que a
média mundial, ou seja, cerca de
três vezes de 1980 a 1997. Ora, "papers" e bolsas são apenas um meio,
não uma meta em si.
O desempenho em C&T que se
espera é atender à demanda da sociedade por tecnologias de bem-estar social e por maior competitividade da produção num mercado
globalizado. Ou seja, a verdadeira
inserção socioeconômica da C&T.
Nesses cinco anos, o PIB cresceu
uma quarta parte e as exportações
cresceram 50%, mas as importações multiplicaram-se por três. A
indústria teve de competir até dentro do país. Para sobreviver, precisou equipar-se com inovações e
tecnologias mais produtivas. Qual
foi a atuação da C&T nesse novo
cenário? Muito pouco, apenas algumas exceções pontuais, que só
confirmam a regra. A economia teve, então, de importar as tecnologias de que necessitava.
De fato, os gastos com o item "licença para exploração de patentes" cresceram, no período, cem
vezes, os de "transferência de tecnologia", 20 vezes, e os de software, oito vezes! Como a nossa exportação nesses itens foi desprezível,
houve um "déficit do balanço tecnológico" -de US$ 1,5 bilhão em
97 e de US$ 3,4 bilhões no acumulado de 93 a 97.
E além disso, uma imensa massa
de inovação tecnológica está contida nos produtos que ocuparam o
mercado, substituindo os nacionais, que, em muitos casos, simplesmente deixaram de ser fabricados. Exportaram-se, assim, muitos dos nossos empregos e se gerou
um déficit comercial elevado, por
falta de competitividade econômica e, principalmente, tecnológica
da nossa produção.
Com os montantes revelados acima, não se pode alegar falta de recursos. Em 97, o nosso dispêndio
em C&T foi igual ao da Coréia
(1,9% de um PIB de US$ 530 bilhões) e 60% maior do que o da Espanha (1% de um PIB de US$ 650
bilhões).
E não há como comparar os nossos resultados em C&T com o desses países. Alguns dados: a Espanha registra nos EUA (o maior
mercado de patentes) dez vezes
mais patentes do que nós, e a Coréia, pelo menos 20 vezes mais.
E a nossa produção de "papers"?
A produção da Espanha, que era
em 80 apenas um terço maior do
que a nossa, cresceu seis vezes e em
97 tornou-se quase três vezes
maior. A da Coréia, que em 80 era
apenas 1/13 da nossa, cresceu 44
vezes e em 97 ultrapassou-nos em
13%. Também a China e Taiwan,
bem atrás de nós em 80, já nos ultrapassaram.
Afinal, o que faz a diferença? Por
que os recursos rendem mais lá do
que cá? A resposta é simples. São
países que, embora ainda emergentes, despendem os seus recursos de C&T como os países desenvolvidos, isto é, priorizando a pesquisa tecnológica. Nos EUA, 75%
das pesquisas são executadas nas
indústrias, mas menos de dois terços são por elas financiados, o que
significa que cerca de 30% dos dispêndios públicos são transferidos
para aquelas, a fim de incentivar a
inovação tecnológica, o que gera
renovação, competitividade da
produção e bem-estar social.
Mas, se esses países gastam prioritariamente em inovação tecnológica, como entender o seu maior
crescimento em "papers"? Ora, a
própria pesquisa tecnológica para
a geração dos novos produtos solicitados pelo mercado propõe
questões cujas respostas exigem
mais ciência básica, pois o avanço
tecnológico se apóia nas tecnologias existentes e no conhecimento
científico publicado. Logo, a pesquisa tecnológica sempre puxa a
ciência, como ocorre nos países citados.
A recíproca, porém, nada tem de
verdadeira. Há dois exemplos emblemáticos: Rússia e Índia. Ambas
têm a melhor ciência, com vários
Prêmios Nobel, uma produção de
"papers" algumas vezes superior à
nossa, pois têm muito mais pesquisadores, mas uma geração desprezível de patentes, como a nossa.
Todos os países do Terceiro Mundo estão nessa categoria.
A ciência que produzem, mesmo
quando pouca, enche-os de orgulho; mas, para desenvolver o país,
seu povo precisa adquirir no exterior a necessária tecnologia para
sua produção ou seu bem-estar social.
E como é em nosso país? Nós ainda nos enquadramos entre os que
têm uma concepção terceiro-mundista em C&T.
Apesar de um certo esforço do
MCT e de algumas agências de fomento para mudar o quadro, pouco se conseguiu. A nossa produção
de patentes é ridícula, cerca de 300
por ano, e por isso somos tecnologicamente dependentes de outros
países.
O paradigma da nossa pesquisa
ainda é a publicação de "papers",
que é uma transferência gratuita
de conhecimentos para países aptos a utilizá-los e competir ainda
mais com a nossa economia.
Precisamos, pois, ousar a ruptura com a cultura do passado e assumir a atitude dos que querem se
desenvolver, elegendo um novo
paradigma para a competitividade: a inovação tecnológica.
²
Roberto Nicolsky, 60, doutor em física, é professor do Instituto de Física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador do
Programa de Desenvolvimento da Tecnologia de
Supercondutores.
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