São Paulo, sexta, 1 de janeiro de 1999

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ARTIGO
Inovação tecnológica, o novo paradigma

ROBERTO NICOLSKY
² Uma nova gestão é a oportunidade de um balanço e da proposição de novos paradigmas e metas. Na ciência e tecnologia (C&T), em particular, a gestão do seu ministério (MCT) iniciou-se no governo anterior, o que nos dá cinco anos de dados, 1993-1997, para uma avaliação.
Em dados divulgados na imprensa, o MCT afirma que, em 1997, o dispêndio em C&T do país teria alcançado 1,3% do PIB (a soma de tudo o que o país produz em um ano). Como o PIB foi de US$ 804 bilhões em 97, segundo o IBGE, chega-se US$ 10,5 bilhões de dispêndios em C&T- destes, mais de US$ 7 bilhões em recursos públicos. Há muitos que questionam os critérios, as taxas de dispêndio e os valores absolutos dessas contas. Mas não é intenção do artigo discuti-las.
Entendo que a questão maior são os indicadores de desempenho citados para justificar o dispêndio. Eles revelam que um gasto desse montante não tem uma inserção significativa no desenvolvimento econômico e social do país, pois não atende à necessidade de competitividade de nossos produtos nem às novas tecnologias essenciais à elevação do bem-estar social.
Esses dados são complementados pela nova edição do "Indicadores Nacionais de C&T" 1990-96, publicado pelo MCT, mostrando um crescimento retroativo dos dispêndios do país com C&T.
A nova edição e os dados acima revelam que o gasto médio anual em C&T, de 1993 a 1997, teria sido de 1,1% do PIB. Ou seja, R$ 42 bilhões nesses cinco anos, mais do que os recursos do FMI.
Em termos de desempenho, são apresentados como conquistas os fatos de que a oferta de bolsas de graduação/pós-graduação cresceu, até 97, a uma média de 12% ao ano, e o número de artigos científicos publicados nas revistas internacionais indexadas, chamados de "papers", cresceu mais do que a média mundial, ou seja, cerca de três vezes de 1980 a 1997. Ora, "papers" e bolsas são apenas um meio, não uma meta em si.
O desempenho em C&T que se espera é atender à demanda da sociedade por tecnologias de bem-estar social e por maior competitividade da produção num mercado globalizado. Ou seja, a verdadeira inserção socioeconômica da C&T.
Nesses cinco anos, o PIB cresceu uma quarta parte e as exportações cresceram 50%, mas as importações multiplicaram-se por três. A indústria teve de competir até dentro do país. Para sobreviver, precisou equipar-se com inovações e tecnologias mais produtivas. Qual foi a atuação da C&T nesse novo cenário? Muito pouco, apenas algumas exceções pontuais, que só confirmam a regra. A economia teve, então, de importar as tecnologias de que necessitava.
De fato, os gastos com o item "licença para exploração de patentes" cresceram, no período, cem vezes, os de "transferência de tecnologia", 20 vezes, e os de software, oito vezes! Como a nossa exportação nesses itens foi desprezível, houve um "déficit do balanço tecnológico" -de US$ 1,5 bilhão em 97 e de US$ 3,4 bilhões no acumulado de 93 a 97.
E além disso, uma imensa massa de inovação tecnológica está contida nos produtos que ocuparam o mercado, substituindo os nacionais, que, em muitos casos, simplesmente deixaram de ser fabricados. Exportaram-se, assim, muitos dos nossos empregos e se gerou um déficit comercial elevado, por falta de competitividade econômica e, principalmente, tecnológica da nossa produção.
Com os montantes revelados acima, não se pode alegar falta de recursos. Em 97, o nosso dispêndio em C&T foi igual ao da Coréia (1,9% de um PIB de US$ 530 bilhões) e 60% maior do que o da Espanha (1% de um PIB de US$ 650 bilhões).
E não há como comparar os nossos resultados em C&T com o desses países. Alguns dados: a Espanha registra nos EUA (o maior mercado de patentes) dez vezes mais patentes do que nós, e a Coréia, pelo menos 20 vezes mais.
E a nossa produção de "papers"? A produção da Espanha, que era em 80 apenas um terço maior do que a nossa, cresceu seis vezes e em 97 tornou-se quase três vezes maior. A da Coréia, que em 80 era apenas 1/13 da nossa, cresceu 44 vezes e em 97 ultrapassou-nos em 13%. Também a China e Taiwan, bem atrás de nós em 80, já nos ultrapassaram.
Afinal, o que faz a diferença? Por que os recursos rendem mais lá do que cá? A resposta é simples. São países que, embora ainda emergentes, despendem os seus recursos de C&T como os países desenvolvidos, isto é, priorizando a pesquisa tecnológica. Nos EUA, 75% das pesquisas são executadas nas indústrias, mas menos de dois terços são por elas financiados, o que significa que cerca de 30% dos dispêndios públicos são transferidos para aquelas, a fim de incentivar a inovação tecnológica, o que gera renovação, competitividade da produção e bem-estar social.
Mas, se esses países gastam prioritariamente em inovação tecnológica, como entender o seu maior crescimento em "papers"? Ora, a própria pesquisa tecnológica para a geração dos novos produtos solicitados pelo mercado propõe questões cujas respostas exigem mais ciência básica, pois o avanço tecnológico se apóia nas tecnologias existentes e no conhecimento científico publicado. Logo, a pesquisa tecnológica sempre puxa a ciência, como ocorre nos países citados.
A recíproca, porém, nada tem de verdadeira. Há dois exemplos emblemáticos: Rússia e Índia. Ambas têm a melhor ciência, com vários Prêmios Nobel, uma produção de "papers" algumas vezes superior à nossa, pois têm muito mais pesquisadores, mas uma geração desprezível de patentes, como a nossa. Todos os países do Terceiro Mundo estão nessa categoria.
A ciência que produzem, mesmo quando pouca, enche-os de orgulho; mas, para desenvolver o país, seu povo precisa adquirir no exterior a necessária tecnologia para sua produção ou seu bem-estar social.
E como é em nosso país? Nós ainda nos enquadramos entre os que têm uma concepção terceiro-mundista em C&T.
Apesar de um certo esforço do MCT e de algumas agências de fomento para mudar o quadro, pouco se conseguiu. A nossa produção de patentes é ridícula, cerca de 300 por ano, e por isso somos tecnologicamente dependentes de outros países.
O paradigma da nossa pesquisa ainda é a publicação de "papers", que é uma transferência gratuita de conhecimentos para países aptos a utilizá-los e competir ainda mais com a nossa economia.
Precisamos, pois, ousar a ruptura com a cultura do passado e assumir a atitude dos que querem se desenvolver, elegendo um novo paradigma para a competitividade: a inovação tecnológica.
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Roberto Nicolsky, 60, doutor em física, é professor do Instituto de Física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador do Programa de Desenvolvimento da Tecnologia de Supercondutores.



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