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São Paulo, sábado, 01 de março de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Empreenda se for capaz

GESNER OLIVEIRA

É lamentável que a desburocratização tenha desaparecido do cardápio de reformas necessárias para o Brasil retomar o crescimento sustentado.
Não bastassem as evidências do cotidiano dos males causados pelo excesso de burocracia, um estudo preparado recentemente para o Banco Mundial é ilustrativo das dificuldades para a formação de uma nova empresa em países em desenvolvimento.
Em trabalho de suporte ao "Relatório Mundial de Desenvolvimento" de 2002 do Banco Mundial, os autores Simeon Djankov, Rafael la Porta, Florencio Silanes e Andrei Shleifer pesquisaram o caminho (às vezes o calvário) que deve ser percorrido por um empreendedor que queira abrir um novo negócio em 85 países.
Como seria de esperar, os quesitos para entrar no mercado variam muito de acordo com o país. Segundo os autores, no Canadá o processo demora dois dias e envolve dois procedimentos, contra 19 procedimentos e um mínimo de 149 dias úteis em Moçambique!
O estudo contém três relações particularmente relevantes e até certo ponto intuitivas. Em primeiro lugar, verificou-se uma associação inversa entre o custo de formação de uma nova empresa e o nível de renda do país. Isto é, nos países mais pobres, precisamente onde há menos capital, os quesitos burocráticos custam mais do que nos países mais avançados.
Em segundo lugar, e como sugere o contraste entre Canadá e Moçambique, observou-se uma relação negativa entre o nível de renda por habitante e o número de passos burocráticos necessários para a aprovação de uma nova empresa.
Em terceiro lugar, constatou-se uma associação positiva entre o número de procedimentos burocráticos e o índice de corrupção. Ou seja, países que colocam excessivas barreiras regulatórias terminam por gerar problemas de governança. Quando há muitas dificuldades, alguém tentará vender facilidades.
O Brasil, como se sabe, é sempre finalista nos campeonatos de burocracia. O saudoso batalhador pela desburocratização e ministro de pasta com esse nome no governo Figueiredo, Hélio Beltrão, já disse que "...o Brasil já nasceu rigorosamente centralizado e regulamentado. Desde o primeiro instante, tudo aqui aconteceu de cima para baixo e de trás para diante".
Muita coisa mudou desde que Hélio Beltrão proferiu essa frase. Ele mesmo foi o grande pioneiro e inspirador de um processo importante de simplificação de procedimentos. O problema nessa matéria é que a máquina burocrática tem o dom da reencarnação. Exigências eliminadas como a autenticação de um sem-número de documentos reaparecem como ervas daninhas em plena era da assinatura eletrônica.
Em matéria de formação de novas empresas, o Brasil está infelizmente mais próximo de Moçambique do que do Canadá. A abertura de um novo negócio exige registro do contrato social na junta comercial; inscrição de CNPJ; aquisição de alvará de funcionamento na prefeitura; registro estadual ou municipal; registro do INSS; e inscrição no sindicato. Esse processo demandará, no mínimo, 40 dias úteis e pode variar conforme a unidade da Federação.
Para um microempreendimento, o processo pode ser oneroso demais, inviabilizando atividades social e economicamente importantes. Ou deixando-as na informalidade, o que eleva riscos e inibe a possibilidade de expansão da produção e do emprego em bases sólidas.
O mesmo Hélio beltrão afirmou que "99% dos brasileiros não são desonestos nem falsários. A excessiva exigência burocrática só serve para dificultar a vida dos honestos sem intimidar os desonestos, que são especialistas em falsificar documentos".
O Estado brasileiro deveria reduzir drasticamente sua burocracia e fazer como o FBI no novo filme de Steven Spielberg, "Prenda-me se For Capaz", em que o falsário Frank W. Abagnale, interpretado por Leonardo DiCaprio, é obrigado a trabalhar para a polícia, descobrindo outros criminosos. Enquanto isso, a esmagadora maioria da população poderá gerar mais renda e postos de trabalho.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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