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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Um desafio
Não é necessário que o diretor-executivo seja
um entusiasta do FMI na
sua configuração atual
HOJE, QUERO me dirigir aos
meus leitores regulares. Se
você, leitor, for um passante
eventual ou acidental por esta coluna, pode continuar lendo, é claro.
Não estou rejeitando ninguém. Mas
eu gostaria de conversar sobretudo
com aqueles que me acompanham
há muito tempo e se identificam em
alguma medida comigo.
Um grande número desses leitores antigos escreveu para me felicitar e desejar sorte, depois que veio a
público a indicação do meu nome
para representar nove países latino-americanos na diretoria executiva
do FMI (Fundo Monetário Internacional). Agradeço a todos.
Recebi também muitas críticas e
farpas, algumas mal-humoradas,
outras cômicas. Por exemplo: um
leitor me enviou a seguinte mensagem, em letras garrafais: "Bem-vindo ao clube da bufunfa!".
A polêmica é natural. Nos principais jornais, a notícia despertou as
mais variadas reações e algumas críticas duras. A turma da bufunfa não
gostou. Paciência. A onda em torno
do assunto me fez lembrar aquela tirada de Winston Churchill: "People
have been spreading the wildest lies
about me, and the worst of it is that
half of them are true!" (estão espalhando as mentiras mais loucas a
meu respeito, e o pior é que a metade delas é verdadeira!).
Abro aqui um rápido parêntese.
Escrevo este artigo em condições
precárias. Estou em Brasília desde
ontem. Entre uma reunião e outra,
vou digitando com dificuldade os
parágrafos. Longe da minha biblioteca, não tenho certeza se a frase do
parágrafo anterior, citada de memória, é mesmo de Churchill. Talvez seja de Oscar Wilde.
Mas, enfim, vamos ao FMI. Muitos estranharam que o governo brasileiro tenha indicado um crítico do
Fundo para trabalhar na sua diretoria executiva. Não há grandes motivos para essa reação. O diretor-executivo deve representar no FMI nove países latino-americanos: Brasil,
Colômbia, Equador, Guiana, Haiti,
Panamá, República Dominicana,
Suriname, Trinidad e Tobago. Cabe
a ele defender os pontos de vista
desses países sobre as situações econômicas nacionais, a economia
mundial e o próprio FMI, que está
passando, aliás, por um processo de
reestruturação. Está em discussão,
entre outros assuntos, a redefinição
do peso dos diferentes países nas decisões do organismo.
O Brasil, em aliança com outros
países, vem procurando aumentar a
influência das nações em desenvolvimento. Atualmente, a posição brasileira é bastante confortável. Não
temos acordo nem dívida com o
Fundo. A dívida que existia foi paga
antes do prazo previsto. As reservas
internacionais do país alcançaram
US$ 100 bilhões. O Brasil está em
condições de participar com eficácia
e credibilidade da reforma do FMI e
de outros organismos multilaterais.
Não é necessário, portanto, que o
diretor-executivo seja um entusiasta do FMI na sua configuração atual.
Aliás, é muito difícil, imagino, encontrar um economista brasileiro
(brasileiro sem sotaque espiritual,
óbvio), seja ele ortodoxo ou heterodoxo, monetarista ou desenvolvimentista, que não tenha restrições a
diferentes aspectos da atuação do
Fundo. Em face do fracasso retumbante de alguns programas -o caso
da Argentina nos governos Carlos
Menem e Fernando de La Rúa é um
exemplo marcante-, o próprio FMI
está mais inclinado à autocrítica e já
não endossa políticas econômicas
que ele antes apoiava ou recomendava aos países que recorriam a seus
empréstimos e se sujeitavam a suas
condicionalidades. Há poucos anos,
foi criado, no âmbito do próprio
Fundo, um braço independente de
avaliação (Independent Evaluation
Office) que faz análises periódicas, e
não raro bastante críticas.
Evidentemente, nada disso significa que a minha vida será fácil em
Washington, como escreveu Luiz
Carlos Bresser-Pereira, em artigo
publicado na segunda-feira aqui
neste espaço. A orientação dominante no Fundo é ortodoxa. Os países desenvolvidos, particularmente
os Estados Unidos, dominam a
agenda do FMI.
Quando circulou a notícia de que
eu aceitara o convite para trabalhar
em Washington, muitos ficaram em
dúvida sobre o que isso significava.
Um economista chegou a declarar à
imprensa que eu teria de me converter à ortodoxia.
Nelson Rodrigues dizia: "Brasileiro não pode viajar" (frase que eu já
citei dezenas de vezes nesta coluna).
Farei tudo para desmentir o meu
guru.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional:
Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/
Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net
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