São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010

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ENTREVISTA DA 2ª - GUILHERME PAULUS

CVC usa Copa e Olimpíada para se expandir na AL

Empresa, controlada pelo fundo Carlyle, planeja dobrar de tamanho até 2015 e abrir mercado em países vizinhos

A COPA DE 2014 e a Olimpíada de 2016 deverão aproximar o Brasil da América Latina, pois é dos países vizinhos que virá o grande fluxo de turistas para o Brasil durante os eventos esportivos, aposta Guilherme Paulus, 60, fundador da CVC, maior empresa de turismo do país, com 60% do mercado. A CVC vai começar pela América Latina o seu grande plano de expansão internacional, a partir de 2011.
O objetivo do fundo Carlyle, que comprou 63% da empresa em janeiro, é dobrar a CVC de tamanho até 2015. Paulus, que segue no Conselho de Administração, tem como máxima "nunca pôr todos os ovos numa cesta só" e não quer depender só do aumento de poder de compra da classe média para crescer. "Pode ser que troque de presidente e o Brasil vire. Um dos grandes segredos da CVC é estar sempre atenta aos movimentos do mercado", afirma.

MARIANA BARBOSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em sua primeira grande entrevista desde a venda do controle da CVC para o fundo americano Carlyle, Guilherme Paulus falou sobre os bastidores da negociação e as perspectivas para a empresa e para o setor de turismo no Brasil.

 

FOLHA - Quais as expectativas para o turismo no Brasil diante de Copa do Mundo e da Olimpíada?
GUILHERME PAULUS
- O Brasil foi muito privilegiado. A Copa e a Olimpíada realmente vão trazer um desenvolvimento inigualável para o país, em todos os segmentos. Vamos ganhar em termos de infraestrutura básica e, principalmente, em cultura e educação.

FOLHA - Como esses eventos vão contribuir para melhorar a educação e a cultura?
PAULUS
- Há uma movimentação dos ministérios da Educação, do Turismo e do Esporte para treinamento. Foi contratada uma empresa estrangeira [Education First] que vai ministrar cursos de inglês e espanhol [via internet] para trabalhadores de hotéis, bares e restaurantes, motoristas de táxi etc. Isso vai dar um grande ganho, vai educar e vai dar cultura. Isso está sendo coordenado pelos ministérios, com engajamento do setor privado.

FOLHA - Não faltará mão de obra nem leitos para hospedagem?
PAULUS
- Não acredito. Se existe oferta de 30 mil leitos, vende isso e isso é o limite. Temos de trabalhar com a nossa realidade. O mundo sempre vai estar preparado para receber as pessoas.

FOLHA - O Brasil está preparado? Haverá infraestrutura hoteleira, aeroportuária e rodoviária para atender direito os turistas durante os eventos?
PAULUS
- A infraestrutura vai melhorar, não há dúvida. Foi como nos Jogos Pan-americanos, no Rio. Tinha de estar pronta a Vila Olímpica, a pista de atletismo, o estádio, a acomodação. O governo está investindo fortemente. É preciso tomar muito cuidado com as críticas. Todo mundo diz que tem de aumentar a capacidade dos aeroportos, da rodoviária. Nos feriados é aquele caos. Mas o que que a gente faz com a rodoviária nos meses de março, abril e maio? Fica aquela rodoviária enorme, às moscas. Claro que é preciso ter a preocupação com a prestação do serviço. O governo tem de se preparar, não deixar acontecer o caos.

FOLHA - O Rio de Janeiro melhorou como destino turístico depois do Pan em 2007?
PAULUS
- Sensivelmente. O Rio de Janeiro voltou a ser o maior destino turístico no Brasil. Tinha perdido a liderança em virtude da violência. Mas, de dois, três anos para cá, melhorou muito. Não tivemos nenhum incidente nem no Réveillon nem no Carnaval.

FOLHA - O Brasil vai mudar de patamar?
PAULUS
- O legado de uma Copa do Mundo está provado. A Alemanha já era um país desenvolvido e se desenvolveu mais ainda em termos de transporte [com a Copa de 2006]. E o turismo voltou. Estamos vendendo mais Alemanha [na CVC]. O mesmo a gente sente em relação à África do Sul. E, pela primeira vez, pela própria posição geográfica do Brasil, nossos países vizinhos vão ser trabalhados fortemente. Colombianos, venezuelanos, paraguaios, argentinos e uruguaios virão assistir os jogos. Até o pessoal das Guianas virá para assistir os jogos em Fortaleza.

FOLHA - Quando o fundo Carlyle comprou a CVC, vocês anunciaram um plano de dobrar de tamanho em cinco anos. Como vocês pretendem fazer isso?
PAULUS
- Nós vendemos no ano passado 2 milhões de pacotes, 60% para o mercado interno e 40% de viagens internacionais. Vai chegar um momento em que o crescimento da CVC vai continuar forte, mas não sustentável para a gente dobrar de tamanho. Para isso, vamos buscar uma parte desse mercado lá fora. Vamos começar pela América Latina -México, Colômbia, Chile e Argentina. E não é só para trazer turistas para o Brasil. A CVC México vai vender pacotes para os mexicanos irem para a Disney, para a Europa, para virem ao Brasil e também para viajarem internamente. Esse será um dos primeiros passos da nossa expansão internacional.

FOLHA - Já há metas para o número de lojas? Qual o primeiro país?
PAULUS
- É muito cedo. Acredito que vamos começar a partir de 2011. Hoje a prioridade é o mercado interno. A partir do momento em que a gente sentir que esgotou, vamos buscar a expansão internacional. Hoje, cerca de 40 milhões de pessoas têm poder aquisitivo para viajar no Brasil. Dessas, apenas 8% viajam por meio de agências. O potencial do mercado para as agências é de 20%, 30%, no máximo.

FOLHA - O aumento do poder de compra da nova classe média não vai fazer esse mercado crescer?
PAULUS
- Vai, mas a gente nunca sabe, vamos ter uma eleição agora. E tudo no mundo é político. Aqui, na Europa, nos Estados Unidos. Pode ser que mude o presidente e o Brasil vire. Um dos grandes segredos da CVC é estar sempre atenta aos movimentos do mercado. Falo para as nossas equipes: "Nunca olhe a ponta do seu nariz, olhe seu horizonte, para a frente". Se ficar olhando o nariz, você tropeça e cai. Olhando para a frente, o horizonte se abre e você vê as oportunidades que tem. Nunca ponho todos os ovos numa cesta só.

FOLHA - O sr. diria que esse é o diferencial da CVC em um mercado que teve tantas baixas?
PAULUS
- Essa é a visão que a gente tem, desde a criação da CVC. Deus me deu uma cabeça boa para estar sempre à frente das coisas. Para estar sempre atento quando tem uma crise. As vendas no mercado internacional caíram, mas temos um doméstico forte. Fui um dos maiores vendedores de Disney, ganhei até a chave de Orlando. Mas nunca abandonei o turismo interno. Todos falam que o Brasil é a bola da vez. Não é por isso que vou abandonar tudo e viver de receptivo. Começamos com turismo rodoviário, fomos pioneiros em pacotes com viagem de avião. Trouxemos um navio que mudou o mercado de cruzeiros. Como diz a garotada, acho que sou "antenado". Se pudesse, venderia só pacotes de volta ao mundo. Ficaria trilionário. Mas existe mais gente querendo viajar internamente do que para o exterior.

FOLHA - A CVC financia viagens em até dez vezes. Entendo que a ideia é garantir que a viagem esteja paga nas próximas férias do cliente. Como o sr. vê a estratégia das companhias aéreas que, para conquistar a nova classe média, vendem passagens em até 48 vezes?
PAULUS
- O parcelamento em dez vezes foi pensado e bastante discutido. Não consigo ver a CVC vendendo a prazos maiores. Por outro lado, isso dá uma conotação de que viajar é barato e fácil. Isso tem um lado bom, desperta a atenção. Muita gente entra na loja querendo pagar em 48 vezes, mas aí a gente mostra uma promoção e a pessoa acaba fechando em sete, dez vezes. Agora, pagar uma passagem de R$ 500 em 48 vezes, para mim é muito tempo. Você vai para Salvador (BA) visitar a mãezinha, a mãe já morreu e você continua pagando (risos).

FOLHA - Por que o sr. decidiu vender o controle da CVC?
PAULUS
- Muita gente pergunta como estou me sentindo, parece até que perdi um parente. Para mim é natural. Encaro como uma grande oportunidade de crescimento, de concretizar um sonho de estar presente no mercado mundial. Com o Carlyle, posso fazer isso mais rápido. Tive sorte. O Fernando [Borges] e o Daniel [Sterenberg], [presidente e vice-presidente] do Carlyle [no Brasil], são pessoas de grande visão. Estamos em lua de mel.

FOLHA - Com o Carlyle no controle da CVC vai dar para o sr. sair de férias, fazer turismo?
PAULUS
- Estou trabalhando mais. Você tira algumas responsabilidades do dia a dia, mas acrescenta outras.

FOLHA - A responsabilidade aumentou?
PAULUS
- Agora tenho de dar satisfação aos outros, não só a mim mesmo. Antes era: "Vamos fechar um contrato e trazer mais um navio. Opa, traz aí". Agora é diferente. Tem de colocar tudo no papel e justificar. Embora deem liberdade, funciona muito à base de relatório. Os norte-americanos [do Carlyle] gostam disso.

FOLHA - Ficou mais burocrático?
PAULUS
- Não. Acho que esse modo de trabalhar dá mais confiança. Era exatamente disso que a CVC estava precisando. A empresa cresceu muito e estava com um horizonte muito grande de negócios. Chega um determinado momento em que é preciso dar uma mexida. Não que a CVC fosse uma empresa velha, mas existe uma acomodação natural. A entrada do Carlyle deu uma injeção de ânimo novo.

FOLHA - Houve muitas idas e vindas nas negociações com o Carlyle. Vocês chegaram a desistir. O que houve? A questão era o controle?
PAULUS
- Quando o Carlyle nos procurou, eu tinha acabado de dar uma entrevista para a agência Bloomberg na qual falei, pela primeira vez, do nosso plano de abrir o capital. Na época, estava na moda falar em abrir capital. Foi em 2007. Na época, o Carlyle fez uma primeira avaliação do grupo CVC, incluindo os hotéis e a Webjet. Era um valor excepcional, de 14, 15 vezes o lucro operacional. Falei: vai, manda pau. E começamos a correr.
Mas aí veio a crise, aquela loucura toda. Então eles não queriam a Webjet por conta da limitação de capital estrangeiro. Baixaram o preço, nós brigamos. Mas depois reatamos o namoro. Acabei vendendo pela metade do valor inicial, por seis, sete vezes o lucro operacional. E agora estamos em lua de mel.


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