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Divisão de herança não foi equitativa, diz advogado
DA REPORTAGEM LOCAL
O escritor português Eça de
Queiroz encontrou um desfecho
cruel para o personagem herdeiro
de seu livro "A Relíquia", de 1887,
crítica social irônica e divertida
contra a beatice e a hipocrisia. O
oportunista sobrinho da endinheirada Maria Patrocínio das
Neves, Teodorico Raposo, órfão
desde a infância e criado pela tia
materna, passa a vida se desmanchando em adulação, na esperança de se tornar seu herdeiro universal. Desmascarado como hipócrita e malandro, Teodorico recebe apenas um binóculo, para observar de longe a fortuna da tia.
Quem lembra a história é o advogado Sergio Bermudes, um dos
mais notáveis do país, habituado
a lidar com as peculiaridades das
grandes heranças e grandes herdeiros. Neste momento, ele defende os interesses de Guilherme
e Mário Frering, netos de Azevedo Antunes, e, como não poderia
deixar de ser, não tem dúvidas de
que seus clientes sairão ainda
mais ricos dessa disputa.
Bermudes conta o seu lado:
Doutor Antunes e dona Sílvia
adiantaram a divisão da parte legítima da herança, 50% do total,
passando 25% para a filha Beatriz
e outros 25% para Alexandre, Stella e Suzana, os filhos de César, falecido. A outra metade, chamada
juridicamente de "disponível",
poderiam ter doado para o Flamengo, porque a lei permite. Não
fizeram isso, para azar do clube
carioca, mas sem que pudessem
imaginar, criaram um conflito
ainda maior entre os netos.
Da parte disponível, aquela que
o dono da herança pode fazer o
que quiser, eles deram um pouco
mais para os filhos de César, de tal
forma que eles ficassem com 27%
mais ou menos do bolo. A Fábio,
Guilherme e Mário, que não eram
herdeiros (posição ocupada então
por sua mãe, Beatriz), o casal deu
o mesmo valor que tinham dado
aos outros três. Beatriz ficou com
o remanescente, somando com
seus filhos 73% do disponível.
O casal Azevedo Antunes podia
fazer isso? "Podia", diz Bermudes.
Não é injusto? "Não, a lei permite
que você dê o disponível para
quem quiser, até para um filho em
detrimento do outro." Por que
eles fizeram isso? "Não importa,
às vezes é uma questão de preferência, existem várias questões,
mas a principal é o juízo dos donos da herança." Na ocasião, todos se disseram satisfeitos, mesmo sabendo que a divisão era diferenciada. Após a morte do avô,
Suzana foi a primeira a reclamar,
alegando que as doações tinham
violado os direitos legítimos dos
herdeiros. Ela quer uma redistribuição equitativa.
O advogado de Alexandre, Ivan
Nunes Ferreira, por sua vez, alega
que a venda da Caemi por Mário e
Guilherme "é uma burla cabal aos
desígnios do dr. Antunes e, principalmente, uma violenta ruptura
do que foi convencionado quando da reestruturação do grupo".
Ou seja, o patriarca teria deixado
bem claro o seu desejo de manter
íntegro o conglomerado.
Em carta a seus herdeiros e colaboradores, Azevedo Antunes disse: "que a meus herdeiros seja devidamente assegurada a percepção dos rendimentos e demais
vantagens do grupo empresarial
que criei, ao qual dediquei toda a
minha vida profissional". Cada lado da disputa interpreta a carta
como quer. E a briga continua.
Alexandre -que segundo o advogado de Guilherme e Mário dilapidou o que recebeu do avô,
"criando uma fazenda texana e
constituindo uma empresa patrimonial para administrar seus
bens"- luta para bloquear o dinheiro que Mário e Guilherme
vão receber pela venda da Caemi.
Segundo documento encaminhado à Justiça, ao pacote da herança vinculado à estrutura de
controle, que coube a Guilherme e
a Mário, atribui-se valor maior
(US$ 114,4 milhões, resultando
para cada um US$ 57,2 milhões).
Cerca de US$ 10 milhões a mais
do que o valor dos pacotes dos
outros netos, porque tinha duas
desvantagens: a responsabilidade
administrativa e a chamada "iliquidez dos ativos", interpretada
como restrição à venda.
É muito dinheiro em jogo a movimentar uma história que não
tem pobres relegados, mas é dramática. Teve golpe (apoiado por
Azevedo Antunes), suicídio (cometido por seu filho), Paris (de
onde Guilherme, o neto, conduziu a empresa), Stálin (o líder soviético que, indiretamente, abriu
o mercado americano para Antunes), socialite (Antonia Mayrink
Veiga, mulher de Guilherme), um
milionário que se cercou de assessores ao fazer a partilha (o próprio Azevedo Antunes) é até um
ex-office-boy do patriarca (o economista Wanderlei Viçoso Fagundes) alçado à posição de presidente da empresa.
A Caemi ainda dará um bom livro -independentemente do
desfecho que se aproxima.
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