São Paulo, domingo, 01 de abril de 2001

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Divisão de herança não foi equitativa, diz advogado

DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor português Eça de Queiroz encontrou um desfecho cruel para o personagem herdeiro de seu livro "A Relíquia", de 1887, crítica social irônica e divertida contra a beatice e a hipocrisia. O oportunista sobrinho da endinheirada Maria Patrocínio das Neves, Teodorico Raposo, órfão desde a infância e criado pela tia materna, passa a vida se desmanchando em adulação, na esperança de se tornar seu herdeiro universal. Desmascarado como hipócrita e malandro, Teodorico recebe apenas um binóculo, para observar de longe a fortuna da tia.
Quem lembra a história é o advogado Sergio Bermudes, um dos mais notáveis do país, habituado a lidar com as peculiaridades das grandes heranças e grandes herdeiros. Neste momento, ele defende os interesses de Guilherme e Mário Frering, netos de Azevedo Antunes, e, como não poderia deixar de ser, não tem dúvidas de que seus clientes sairão ainda mais ricos dessa disputa.
Bermudes conta o seu lado: Doutor Antunes e dona Sílvia adiantaram a divisão da parte legítima da herança, 50% do total, passando 25% para a filha Beatriz e outros 25% para Alexandre, Stella e Suzana, os filhos de César, falecido. A outra metade, chamada juridicamente de "disponível", poderiam ter doado para o Flamengo, porque a lei permite. Não fizeram isso, para azar do clube carioca, mas sem que pudessem imaginar, criaram um conflito ainda maior entre os netos.
Da parte disponível, aquela que o dono da herança pode fazer o que quiser, eles deram um pouco mais para os filhos de César, de tal forma que eles ficassem com 27% mais ou menos do bolo. A Fábio, Guilherme e Mário, que não eram herdeiros (posição ocupada então por sua mãe, Beatriz), o casal deu o mesmo valor que tinham dado aos outros três. Beatriz ficou com o remanescente, somando com seus filhos 73% do disponível.
O casal Azevedo Antunes podia fazer isso? "Podia", diz Bermudes. Não é injusto? "Não, a lei permite que você dê o disponível para quem quiser, até para um filho em detrimento do outro." Por que eles fizeram isso? "Não importa, às vezes é uma questão de preferência, existem várias questões, mas a principal é o juízo dos donos da herança." Na ocasião, todos se disseram satisfeitos, mesmo sabendo que a divisão era diferenciada. Após a morte do avô, Suzana foi a primeira a reclamar, alegando que as doações tinham violado os direitos legítimos dos herdeiros. Ela quer uma redistribuição equitativa.
O advogado de Alexandre, Ivan Nunes Ferreira, por sua vez, alega que a venda da Caemi por Mário e Guilherme "é uma burla cabal aos desígnios do dr. Antunes e, principalmente, uma violenta ruptura do que foi convencionado quando da reestruturação do grupo". Ou seja, o patriarca teria deixado bem claro o seu desejo de manter íntegro o conglomerado.
Em carta a seus herdeiros e colaboradores, Azevedo Antunes disse: "que a meus herdeiros seja devidamente assegurada a percepção dos rendimentos e demais vantagens do grupo empresarial que criei, ao qual dediquei toda a minha vida profissional". Cada lado da disputa interpreta a carta como quer. E a briga continua.
Alexandre -que segundo o advogado de Guilherme e Mário dilapidou o que recebeu do avô, "criando uma fazenda texana e constituindo uma empresa patrimonial para administrar seus bens"- luta para bloquear o dinheiro que Mário e Guilherme vão receber pela venda da Caemi.
Segundo documento encaminhado à Justiça, ao pacote da herança vinculado à estrutura de controle, que coube a Guilherme e a Mário, atribui-se valor maior (US$ 114,4 milhões, resultando para cada um US$ 57,2 milhões). Cerca de US$ 10 milhões a mais do que o valor dos pacotes dos outros netos, porque tinha duas desvantagens: a responsabilidade administrativa e a chamada "iliquidez dos ativos", interpretada como restrição à venda.
É muito dinheiro em jogo a movimentar uma história que não tem pobres relegados, mas é dramática. Teve golpe (apoiado por Azevedo Antunes), suicídio (cometido por seu filho), Paris (de onde Guilherme, o neto, conduziu a empresa), Stálin (o líder soviético que, indiretamente, abriu o mercado americano para Antunes), socialite (Antonia Mayrink Veiga, mulher de Guilherme), um milionário que se cercou de assessores ao fazer a partilha (o próprio Azevedo Antunes) é até um ex-office-boy do patriarca (o economista Wanderlei Viçoso Fagundes) alçado à posição de presidente da empresa.
A Caemi ainda dará um bom livro -independentemente do desfecho que se aproxima.



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