São Paulo, domingo, 01 de abril de 2001

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MINERAÇÃO
Familiares do fundador, Azevedo Antunes, lutam por fatia milionária da venda da empresa para grupo estrangeiro
Herdeiros disputam patrimônio da Caemi

CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL

Velhos amigos do empresário Augusto Trajano de Azevedo Antunes estão lamentando o último capítulo da história da Caemi, negócio que o doutor Antunes -que nunca foi doutor, mas é assim chamado por todos- começou do nada nos anos 40, em Minas Gerais, e transformou num dos maiores empreendimentos do país, o quarto maior do mundo no setor de minério de ferro.
Azevedo Antunes morreu em 1996, aos 89 anos, vítima de ataque cardíaco, exaltado como o "Mauá do século 20", referência a Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), empreendedor fervoroso, uma das personalidades mais importantes e influentes do Segundo Reinado no Brasil. Morreu, segundo seus admiradores, em paz, acreditando que seus herdeiros também estavam em paz e que a sucessão no grupo estava definida. "Pobre Antunes!", dizem os amigos, sempre exaltando a sua retidão, firmeza, talento empreendedor, aversão à ostentação de riqueza e o amor à mulher, Sílvia. Eles gostam de repetir que Antunes andava num velho Opala e morava num apartamento confortável, mas simples, no parque Guinle, no Rio, que tinha um certo constrangimento de entrar na sede luxuosa da praia do Botafogo, construída depois que um incêndio destruiu a antiga, no edifício Barão de Mauá. "Toda grande empresa começa a quebrar quando constrói uma grande sede", disse ele ao entrar na nova sede.
Cinco dos seis netos herdeiros provavelmente não pensariam o mesmo. Estão se engalfinhando para conseguir mais uma nacada do patrimônio milionário que não ajudaram a construir, mas do qual brigam para desfrutar.
São dois ramos familiares: de um lado, a filha Beatriz e seus filhos Fábio, Mário e Guilherme; de outro, os herdeiros de seu filho César, natural sucessor de Antunes que, segundo pessoas próximas à família, teria se suicidado em 1970, deixando um pai desesperado, a empresa sem sucessor e três filhos, Alexandre, Stella (a única que vive na praia, longe e alheia das disputas) e Suzana.
Na divisão do patrimônio, Guilherme e Mário ficaram como controladores da Caemi, a principal empresa do grupo; Fábio, Suzana, Stella e Alexandre, com as empresas patrimoniais. Ninguém ficou com menos do que o equivalente a US$ 48,4 milhões. "Todos os herdeiros assinaram o protocolo da herança", diz o advogado Geraldo Hess, que trabalhou na reestruturação do grupo.
Eles enganaram o avô. Neste momento, estão no auge da batalha judicial porque Guilherme e Mário vão se livrar de uma vez da Caemi e colocar um ponto final na extraordinária história que Azevedo Antunes -segundo alguns, ex-carteiro nos Correios de São Paulo- escreveu. É que está vencendo o prazo de 60 dias para o exercício de opção de compra de cerca de 20% do capital total e de 60% do capital votante pela acionista da Mitsui & Co. Ltd., do Japão. É quando, dependendo da decisão do grupo japonês, a BHP, da Austrália, passará a desfrutar do contrato assinado para a compra do controle acionário, anunciada oficialmente em 12 de fevereiro, por US$ 332 milhões. Todos -exceto Stella- querem mergulhar nessa montanha de dinheiro que, entendem Guilherme e Mário, pertence somente a eles.
Enquanto eles brigam na Justiça, a BHP planeja começar uma nova história da Caemi. Já anunciou a decisão de fechar o capital (sujeito à aprovação dos acionistas), de investir US$ 300 milhões na modernização da empresa nos próximos cinco anos e de aumentar a produção da mineradora dos 27 milhões atuais para 35 milhões de toneladas anuais.
Mas a disputa ainda não está encerrada. A Mitsui & Co., que detém 40% do capital total da holding, não desistiu da compra, como sugeria o prematuro entusiasmo da BHP. Segundo a imprensa japonesa, o grupo vai, sim, exercer seu direito de preferência no negócio, em parceria com a Companhia Vale do Rio Doce.
Quem decidirá o futuro da Caemi será, portanto, os executivos da trading Mitsui, os japoneses que em 1998 compraram a participação de 40% do controle acionário, quando a empresa passava por uma situação difícil e a entrada de sócios significava profissionalização e recuperação dos resultados financeiros.

Regime militar
Para o desfecho da história empresarial que Azevedo Antunes escreveu, porém, quem vai ficar com a Caemi é um detalhe, menos doloroso se, de alguma maneira, tiver a participação de um grupo brasileiro, honrando seus princípios nacionalistas. Antunes nunca gostou de vender nada desde que entrou no mundo dos negócios em 1940, em Minas, depois de se formar em engenharia civil pela Politécnica de São Paulo.
Era espertíssimo para preservar o que era seu. No início da década de 70, cedeu a participações estrangeiras com a estratégia de adquirir know-how, levando fama de títere de multinacionais.
Quando todos pensavam que, enfim, Azevedo Antunes estava comprado pelos gringos, ele recomprava as participações -nunca antes de absorver todo o conhecimento do parceiro. "Tenho pena do caminho tomado pela Caemi", diz João Sérgio Marinho Nunes, 73, dos quais 22, de 1957 a 1979, convivendo com o empresário, como advogado e, depois, como um assessor direto. "Dr. Antunes revertia tudo em novos empreendimentos."
A qualquer preço. Aliou-se ao regime militar, participou ativa e assumidamente do golpe e festejou a queda de João Goulart (1918-1976), presidente do Brasil por dois anos e meio, de setembro de 1961 ao fatídico 31 de março de 1964. Era dono da última palavra, como os militares (que também eram donos das primeiras). "Muito centralizador", dizem em coro seus antigos amigos. E tão carismático que enredava todos em suas decisões, como se tudo tivesse sido decidido no mais exemplar regime democrático.
Ironicamente, foi o mais intransigente dos comunistas, Josef Stálin, líder soviético, que escancarou as portas do capitalismo para Antunes. Quando a Guerra Fria foi detonada, no final da década de 40, Stálin suspendeu as exportações de manganês da União Soviética para os EUA. Ele aproveitou a punição soviética e se esbaldou no mercado americano com o manganês que explorava na Serra do Navio, no Amapá.
Carlos Augusto de Silveira Lobo, ex-diretor da empresa e amigo por 40 anos de Antunes, lembra que ele nasceu numa família de classe média baixa, filho de um professor de francês que sempre exibiu uma personalidade impositiva. Sem dinheiro, com a ajuda do Banco da Lavoura de Minas, conseguiu arrendar uma jazida de ferro no pico do Itabirito, em Minas, origem da Mineradores Brasileiros Reunidos (MBR). Com a orientação de um amigo geólogo, disputou e ganhou a licitação para explorar jazidas de manganês no Amapá, graças a uma cláusula que exigia participação majoritária de brasileiros e ao financiamento integral de US$ 67 milhões do Eximbank (Export Import Bank of The United States).
Azevedo Antunes esparramou seus negócios por vários setores. Vendeu salsicha, papel, madeira, aços especiais, energia. Comprou participações na indústria de alimentos Swift-Armour, na Aços Anhanguera, na Brumasa (madeira e compensados), na Capp (agropecuária). Passeou pelo setor de táxi aéreo e desembocou em 1982 no Projeto Jari, a lunática aventura que o bilionário americano Daniel Keith Ludwig começou no Pará em 1967, pelas mãos de Delfim Netto, então ministro do Planejamento e homem forte do governo do general João Baptista Figueiredo. Azevedo Antunes capitaneava o grupo de 23 empresários que, com dinheiro do BNDES, tentava salvar o Jari, abandonado por seu criador desgostoso em 1980. A Jari Celulose S/A sobreviveu nas mãos dos netos Guilherme e Mário Freming até 1999. Com uma dívida de R$ 300 milhões, deram por R$ 1 o problema para o grupo Orsa.
No final dos anos 80, Azevedo Antunes decidiu promover mudanças no grupo, caminhar para a especialização em mineração, seu setor de origem, e intensificar o processo de internacionalização.
Ele já se atormentava com a sucessão, na verdade, desde que o seu único filho homem, César, sagrado como sucessor, morreu. Guilherme, que dizem ter sido o seu neto favorito, ganhou o trono, com Mário fazendo parte da realeza como vice-presidente. Guilherme demonstrava mais interesse pela empresa, estudou engenharia e, como o avô, era uma pessoa discreta. Só que Guilherme e Mário não se entenderam. Guilherme teria instalado um clima de autoritarismo inédito na empresa, segundo disse o irmão à imprensa na época. Também cometeu o desatino de, por dois anos, dirigir a empresa de Paris.
Azevedo Antunes morreu antes de ver o pior: o fim da participação da família Azevedo Antunes na história da mineração brasileira. O defensor dos negócios familiares armou tudo acreditando que seus dois netos teriam condições de sucedê-lo e que estava a salvo das raivosas disputas por herança. Foi quando cometeu o maior erro de sua vida.



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