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RUBENS RICUPERO
Os Ilusionistas
No oceano da mudança climática, o etanol não passa de igarapé. Não é alternativa para pôr fim às queimadas
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APÓS ESTRONDOSO sucesso de
público em São Paulo, os Ilusionistas reapresentarão o espetáculo do etanol em Camp David
neste fim de semana. Diante dos
olhos crédulos de jornalistas e espectadores, da cartola de modesto
paliativo como o etanol sairá voando a pomba da esperança, panacéia
para ocultar e absolver a imensa
responsabilidade em causar o
aquecimento global dos prestidigitadores.
O ator principal será o poluidor
número 1 do planeta: George W.
Bush, cujas credenciais são impecáveis. Seu país responde por quase 30% dos gases do efeito estufa,
mas ele renegou a assinatura no
Protocolo de Kyoto, recusando
obstinadamente qualquer medida
interna de redução das emissões.
Intimidou e ameaçou cientistas e
funcionários, foi aos tribunais para
emascular lei pioneira da Califórnia e nomeou como assessor ambiental da Casa Branca um lobbista
da indústria de petróleo, que se desonrou no cargo, conforme previsível.
Menos de dois anos antes do fim
do mandato, quando sua popularidade mergulha nos abismos de onde nunca merecia ter saído, descobre os miríficos poderes do etanol
para mitigar, em mínima proporção, o gigantesco e irreversível dano que provocou.
Seu coadjuvante é Luiz Inácio
Lula da Silva, talentoso e promissor mágico latino, cuja mais recente proeza de transformismo foi, da
noite para o dia, levar seu país a
galgar um dos primeiros postos da
corrida do PIB, ao mesmo tempo
que o investimento naufragava a
funduras de grotões insondáveis.
O repertório de suas mágicas só
encontra paralelo na maravilhada
inocência de auditório cuja credulidade é de causar inveja aos colegas. Na questão ambiental, sua façanha é justificar o máximo pelo
mínimo, isto é, fazer pouco das
queimadas e do desmatamento da
Amazônia e magnificar a discreta
importância atenuadora dos biocombustíveis.
Em razão da não tão lenta mas
gradual e segura destruição da
Amazônia, o Brasil é hoje o 4º ou 5º
responsável pela concentração de
dióxido de carbono. Tal como na
inexorável ascensão do PIB, não
obstante o esforçado empenho do
governador de Mato Grosso et caterva, ainda não chegamos ao topo,
onde se acocoram os EUA, a China,
a Rússia e a Índia. Nossa contribuição global, de uns 4%, é apenas 12%
da americana, o que corresponde,
mais ou menos, à diferença de proporções entre as duas economias.
Do total da parcela de responsabilidade nacional, três quartos provêm do setor mais retrógrado e
predatório: a devastação dos madeireiros, as queimadas para formar pasto, plantar soja etc. Só um
quarto decorre de todo o conjunto
moderno da economia, no qual se
concentra o desenvolvimento: geração energética, produção industrial, transporte por veículos e
aviões.
Isso significa duas coisas. Primeiro, que é mentira justificar o desmatamento pela prioridade do desenvolvimento. A contribuição
econômica do setor retrógrado é
mínima e, a rigor, negativa. Basta
levar em conta a perda irrecuperável de biodiversidade de valor ainda ignorado, a inexorável degradação de solos frágeis, o envenenamento de rios e aquíferos, a aceleração do aquecimento com efeitos
funestos sobre a própria Amazônia
(lembre-se a seca sem precedentes
de 2005), ameaçando mesmo a
competitividade da agroindústria
do Centro-Oeste e do Sudeste.
Segundo, se apenas parte dos
25% da poluição brasileira se origina nos veículos e a ação compensatória do etanol só se manifesta sobre parcela dessa cota já parcial, é
mistificação querer apresentá-lo
como qualquer coisa a mais do que
paliativo, pois o álcool também é
poluidor, embora em grau menor.
Pior seria se as queimadas se ampliassem para acomodar a expansão da cana, seja de modo direto,
como se anuncia no Acre, ou indireto, a fim de substituir a produção
de alimentos deslocada pelos
canaviais.
Valorizar, na justa medida, o papel do etanol é correto. Não esquecendo, porém, que, no oceano da
mudança climática, ele não passa
de igarapé. Etanol não é alternativa
para pôr fim às queimadas, mas
complemento útil que deve reforçar o principal. Todo o resto é ilusionismo, escapismo de quem não
quer encarar a verdade e diz: "Me
engana que eu gosto".
RUBENS RICUPERO , 69, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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