São Paulo, quinta-feira, 01 de maio de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A fórceps


A reforma no FMI saiu a fórceps. Foram idas e vindas, pressões e conflitos, às vezes desagradáveis

ESTOU SOFRENDO de um certo bloqueio. Não sei bem por quê. Talvez seja um pouco de depressão pós-parto. É que, na segunda-feira à noite, chegamos ao fim de uma etapa difícil do nosso trabalho aqui no Fundo: a aprovação pela Junta de Governadores da reforma que redistribuiu as cotas e votos no FMI em favor do Brasil e de outros países em desenvolvimento.
A reforma saiu a fórceps. Foram idas e vindas, pressões e conflitos, às vezes desagradáveis. Os países desenvolvidos, principalmente os europeus, resistiram enquanto puderam (e vão continuar resistindo) a qualquer mudança significativa no FMI.
Mas o resultado acabou sendo favorável ao Brasil e, em menor medida, ao conjunto dos países em desenvolvimento. Iniciou-se uma dinâmica que levará a um aumento gradual da participação e da influência desses países -desde que eles continuem lutando para que isso aconteça.
No final, o apoio foi maior do que se esperava. A Junta de Governadores do FMI, integrada quase sempre por ministros das Finanças ou presidentes de bancos centrais dos 185 países-membros, aprovou a reforma com 93% dos votos. A favor da reforma, votaram 175 governadores, três votaram contra, dois se abstiveram e cinco não votaram. Agora só falta a aprovação pelo Poder Legislativo dos países-membros.
O resultado é favorável ao Brasil em dois aspectos. Primeiro, o nosso peso relativo no FMI aumentou. Não preciso repetir todos os números, que já foram amplamente divulgados. Basta dizer que o Brasil foi o quarto maior beneficiado em termos de aumento do poder de voto (depois da China, da Coréia do Sul e da Índia). A cota efetiva do Brasil aumenta de 1,4% para 1,8% do total. O nosso poder de voto, de 1,4% para 1,7%.
Mas há um segundo aspecto, menos tangível. O prestígio do Brasil, que já era considerável, aumentou ainda mais. Negociamos de maneira firme e consistente, não fugimos das bolas divididas, mas soubemos fazer concessões e transigir quando a direção do FMI e os países desenvolvidos começaram a se mostrar mais flexíveis no início deste ano.
Um parêntese: enquanto digitava a frase anterior, chegou um e-mail com a notícia de que a S&P atribuiu "investment grade" ao Brasil. A minha vaidade nacional, que já vinha crescendo à medida que escrevia, deu os célebres "arrancos triunfais de cachorro atropelado". Parêntese dentro do parêntese: só espero que isso não acentue a problemática valorização do real.
Prossigo. O Brasil fez dois movimentos. Até o final do ano passado, em aliança com outros países, bloqueamos várias propostas modestas de reforma, que basicamente mantinham o status quo. Mas, quando os países desenvolvidos finalmente flexibilizaram a sua posição, o Brasil passou a uma posição construtiva e desempenhou papel importante no fechamento da proposta.
No último mês, ajudamos a mobilizar apoio à proposta em vários foros: na diretoria do FMI, na reunião em Brasília do G20 financeiro -atualmente sob presidência brasileira-, no encontro de vice-ministros em Roma, no G24 e, sobretudo, nas reuniões ministeriais de primavera em Washington. O ministro da Fazenda, as delegações brasileiras nessas reuniões e o nosso escritório no FMI trabalharam até o último dia da votação para ampliar o apoio à reforma.
Foi um custo escrever hoje. O artigo também saiu a fórceps -mas já estou me sentindo melhor. Bem disse Pascal: "Ajoelha-te, reza e crerás".


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


Texto Anterior: Brasil vive um "momento mágico", afirma Lula
Próximo Texto: Novo degrau / Mercado: Melhora de nota faz Bolsa ter a maior alta em 5 anos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.