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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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PELO CANO

Nadir Figueiredo e Klabin querem importar gás direto da Bolívia, usando só a infra-estrutura da distribuidora

Indústrias questionam monopólio da Comgás

LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos últimos monopólios do Brasil, a do gás encanado, começa a ser colocado em xeque por indústrias. A Folha apurou que a Abrace (associação do grandes consumidores de energia) prepara um estudo jurídico para questionar o direito que empresas como a Comgás, que atende o leste do Estado de São Paulo, têm de monopolizar o gás proveniente do gasoduto Bolívia-Brasil.
A disputa diz respeito à venda do insumo. Grandes indústrias, como a Nadir Figueiredo (vidros) e Klabin (papel e celulose), entendem que a Comgás só tem direito ao monopólio de distribuição do gás. Elas questionam o monopólio da venda do produto. Afirmam que o preço é muito caro (o dobro do que seria justo, segundo elas) e querem comprar diretamente o insumo na Bolívia.
As indústrias querem pagar à Comgás somente o custo do transporte do gás no Estado de São Paulo. A Comgás se recusa. "O preço da Comgás e sua recusa em receber apenas pela distribuição inviabiliza a expansão do gás em São Paulo", afirma Patrizia Tomasi, sócia da consultoria Planck, contratada pela Nadir Figueiredo e Klabin.
Para Tomasi, a Comgás quer financiar a expansão de sua rede cobrando caro pelo insumo. A entidade estadual encarregada de supervisionar o gás encanado em São Paulo é a CSPE (Comissão Geral de Serviços Públicos de Energia), ligada ao governo estadual. Zevi Kann, comissário-geral da CSPE, afirma que a legislação do Estado não permite que indústrias como a Nadir Figueiredo e a Klabin paguem à Comgás apenas pela distribuição.
"A Comgás foi privatizada em 1999 e tem o monopólio da venda até 2011. A Nadir Figueiredo e a Klabin podem importar o gás da Bolívia, mas quem deve vender é a Comgás", afirma Kann.
As divergências entre indústrias e a Comgás ocorrem num momento em que a ANP (Agência Nacional de Petróleo) está para editar portarias contra o cartel de distribuição de gás em botijão. O objetivo é aumentar a concorrência. A ANP, porém, não tem poder sobre o gás encanado, supervisionado pelos Estados, conforme a Constituição.

Capacidade
O gasoduto Bolívia-Brasil fornece hoje pouco mais da metade da capacidade que poderia oferecer, segundo a TBG (Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil), que tem entre seus sócios a Petrobras, a Enron, a British Gas e a Shell. Passam pelo gasoduto 13 milhões de metros cúbicos por dia, quando poderiam ser 24,6 milhões.
A Nadir Figueiredo e a Klabin afirmam pagar R$ 0,60 por metro cúbico para a Comgás (cujo sócios são a British Gas, Shell e CPFL, entre outros). O valor correto, segundo as indústrias, deveria ser de R$ 0,30.
"Conseguimos contratos para comprar gás mais barato na Bolívia, autorizados pela ANP. Mas a Comgás não aceita fazer apenas a distribuição. Quer cobrar pelo produto como um todo", diz José Eduardo Vidigal Pontes, vice-presidente da Nadir Figueiredo.
A Nadir Figueiredo afirma que não quer entrar com processo na Justiça para conseguir o direito de pagar só o transporte do gás. Disse estar em contato com a CSPE e a Comgás para chegar a um entendimento. "Por enquanto não vamos à Justiça."
A Folha apurou que as indústrias temem que o governo paulista faça retaliações, como vistorias surpresas para controle de poluição, caso a história chegue à Justiça. Por isso preferem uma solução diplomática. Mas elas já têm um arcabouço para um processo judicial, como a acusação de que a CSPE e a Comgás obrigam a venda casada da distribuição do gás e do produto em si. O que é proibido pelo Código de Defesa do Consumidor.
Para Luiz Biazoto, coordenador do grupo de gás da Abrace, "o erro no monopólio da distribuição de gás encanado é de origem". A Constituição permitiu que os Estados determinassem as regras dos negócios, o que resultou em monopólio. Nesta semana, a Abrace inicia trabalhos para ter um parecer jurídico, que pode resultar em processos contra o monopólio.
José dos Santos, diretor da Klabin, afirma que o preço do gás da Comgás aumentou 100% entre junho de 2002 e janeiro deste ano, contra os 25,82% do IGP-M. A alta do dólar pesou no preço, pois o valor do gás encanado é vinculado à variação da moeda norte-americana. Mas antes da privatização a Klabin pagava cerca de US$ 3 por milhão de Btu [equivalente a 26,81 metros cúbicos]. Agora paga US$ 5,67.
A Klabin consome 25 milhões de metros cúbicos de gás por ano em quatro fábricas do Estado de São Paulo. A Nadir Figueiredo compra cerca de 30 milhões.


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