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VINICIUS TORRES FREIRE
Como criar uma crise tola
Após apimentar a crise na universidade, governo recua. Saldo do tumulto é só má política e debate corporativo
ALGUNS DECRETOS do governador paulista, meia dúzia de incisos e a confusão de seis secretários de governo levaram cerca
de 6.000 pessoas a infernizar as ruas
de São Paulo. José Serra conseguiu
acender o movimento sindical contra seu governo; conseguiu transformar uma estudantada em crise na
USP, agora crise nas universidades
paulistas, a qual, de resto, inspira a
agitação estudantil em todas as universidades públicas do país.
Janio de Freitas já havia observado nesta Folha a espantosa incapacidade do governo de lidar com o
problema e os riscos do impasse.
O impasse ainda sobrevive. Anteontem, um dia antes da manifestação de estudantes e sindicalistas
da USP, Aloysio Ferreira, chefe da
Casa Civil de Serra, conseguiu açular o conflito com artigo atrabiliário publicado neste jornal. Tudo
para, no dia seguinte, o governo dar
razão a todos os seus críticos, da
corporação mais tosca aos professores mais conscienciosos.
O governo paulista fez o que não
admitia fazer até agora por teimosia política. Na prática, revogou artigos que limitavam a autonomia
das universidades para aumentar
salários, contratar pessoal e remanejar seu orçamento -na verdade,
sujeitavam tais remanejamentos à
Secretaria da Fazenda. Literalmente revogou artigos do decreto
que criou a Secretaria de Ensino
Superior, os quais apenas sob leitura algo paranóica sugeriam interferência na orientação geral da pesquisa nas universidades paulistas.
Decerto a revogação das medidas
pode fazer com que a parcela menos exaltada da universidade se
acalme, que parte do movimento
reflua. Mas pode também animar o
movimento mais sindical e corporativo, que sente gosto de vitória.
De essencial, o governo Serra recuou na interferência nas universidades, aliás interferência destrambelhada, talvez desavisada e quase
natimorta, que estava na letra da
lei dos decretos e que talvez não tivesse efeitos práticos, mas indício
de intervenção que foi apimentado
pelas confusões de meia dúzia de
secretários de governo. O debate
sobre a universidade, ele mesmo,
não existiu.
Além do tumulto, resta agora
uma reivindicação de mais dinheiro para as universidades. Mais dinheiro? A partir de 2003, a quantidade de recursos para as universidades paulistas aumentou 43%,
contra 21% de inflação. Universidades, pesquisa e educação tecnológica levam 10% da receita disponível do Estado. Os gastos com
educação em geral e pesquisa levam mais de 31%. Educação, saúde,
pesquisa e cultura levam 48% da
receita líquida paulista. Onde os
estudantes querem cortar?
Surgiu alguma reflexão sobre o
futuro da universidade e da pesquisa em São Paulo? Não. Só política
de baixo nível, tanto do lado do governo como na universidade.
vinit@uol.com.br
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