São Paulo, sexta-feira, 01 de junho de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Como criar uma crise tola

Após apimentar a crise na universidade, governo recua. Saldo do tumulto é só má política e debate corporativo

ALGUNS DECRETOS do governador paulista, meia dúzia de incisos e a confusão de seis secretários de governo levaram cerca de 6.000 pessoas a infernizar as ruas de São Paulo. José Serra conseguiu acender o movimento sindical contra seu governo; conseguiu transformar uma estudantada em crise na USP, agora crise nas universidades paulistas, a qual, de resto, inspira a agitação estudantil em todas as universidades públicas do país. Janio de Freitas já havia observado nesta Folha a espantosa incapacidade do governo de lidar com o problema e os riscos do impasse.
O impasse ainda sobrevive. Anteontem, um dia antes da manifestação de estudantes e sindicalistas da USP, Aloysio Ferreira, chefe da Casa Civil de Serra, conseguiu açular o conflito com artigo atrabiliário publicado neste jornal. Tudo para, no dia seguinte, o governo dar razão a todos os seus críticos, da corporação mais tosca aos professores mais conscienciosos.
O governo paulista fez o que não admitia fazer até agora por teimosia política. Na prática, revogou artigos que limitavam a autonomia das universidades para aumentar salários, contratar pessoal e remanejar seu orçamento -na verdade, sujeitavam tais remanejamentos à Secretaria da Fazenda. Literalmente revogou artigos do decreto que criou a Secretaria de Ensino Superior, os quais apenas sob leitura algo paranóica sugeriam interferência na orientação geral da pesquisa nas universidades paulistas.
Decerto a revogação das medidas pode fazer com que a parcela menos exaltada da universidade se acalme, que parte do movimento reflua. Mas pode também animar o movimento mais sindical e corporativo, que sente gosto de vitória.
De essencial, o governo Serra recuou na interferência nas universidades, aliás interferência destrambelhada, talvez desavisada e quase natimorta, que estava na letra da lei dos decretos e que talvez não tivesse efeitos práticos, mas indício de intervenção que foi apimentado pelas confusões de meia dúzia de secretários de governo. O debate sobre a universidade, ele mesmo, não existiu.
Além do tumulto, resta agora uma reivindicação de mais dinheiro para as universidades. Mais dinheiro? A partir de 2003, a quantidade de recursos para as universidades paulistas aumentou 43%, contra 21% de inflação. Universidades, pesquisa e educação tecnológica levam 10% da receita disponível do Estado. Os gastos com educação em geral e pesquisa levam mais de 31%. Educação, saúde, pesquisa e cultura levam 48% da receita líquida paulista. Onde os estudantes querem cortar?
Surgiu alguma reflexão sobre o futuro da universidade e da pesquisa em São Paulo? Não. Só política de baixo nível, tanto do lado do governo como na universidade.


vinit@uol.com.br

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