São Paulo, domingo, 01 de junho de 2008

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Lula busca direção fora da equipe econômica

No debate sobre a criação do fundo soberano, presidente foi convencido por conselheiros informais a admitir um esforço fiscal maior

Em contraponto a Mantega, economistas argumentaram que superávit maior não deveria ser usado agora para a compra de dólares


VALDO CRUZ
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O debate sobre a criação do Fundo Soberano do Brasil mostrou que o presidente Lula, cada vez mais, busca conselhos fora do governo para conduzir sua política econômica. No episódio em curso, por sinal, ele foi pressionado por seus interlocutores a tomar uma decisão à qual resistia: admitir um esforço fiscal maior neste ano.
Desde que o ministro Guido Mantega (Fazenda) comunicou como seriam as regras de funcionamento do fundo, Lula conversou com vários economistas de dentro e de fora do governo para decidir sobre o melhor formato desse novo instrumento, que será apresentado na terça-feira ao Conselho Político do governo.
O presidente ouviu de pelo menos quatro economistas que ele deveria se limitar, no momento, a elevar o superávit primário e deixar a criação do fundo para outro momento: Luiz Gonzaga Belluzzo, Delfim Netto, João Paulo dos Reis Velloso e Aloizio Mercadante, senador pelo PT de São Paulo.
Esses economistas, com a ajuda do ex-ministro e deputado Antonio Palocci Filho (PT-SP), disseram a Lula que o dinheiro do esforço fiscal adicional não deveria ser usado neste momento para a compra de dólares. Isso poderia prejudicar o combate à inflação e reduziria o impacto do anúncio de uma redução de gastos nas expectativas do mercado.
Lula, porém, sempre foi simpático à idéia de criar o fundo. Era estimulado pelo presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho, outro interlocutor freqüente do presidente para questões econômicas.
Desde o início, Mantega avaliou que a criação do fundo poderia ser a oportunidade de conjugar as duas coisas: aumentar o superávit primário e destinar os recursos para o caixa do fundo soberano.
Assim, faria uma economia extra de gastos públicos e ajudaria o BC no combate à inflação. Ao mesmo tempo, usaria o dinheiro do fundo para operar no mercado de câmbio e evitar a desvalorização mais acentuada do dólar.
Na tentativa de vender bem a idéia, Mantega e Coutinho enfatizaram os detalhes do novo fundo e focaram a estratégia no fato de ele ser criado com o excesso de arrecadação, funcionar como instrumento adicional para intervenção no câmbio e ser uma fonte de recursos no exterior para financiar a expansão de empresas brasileiras.
Com isso, acabaram atravessando o discurso, bateram de frente com os demais economistas-conselheiros do presidente Lula e embolaram o meio-de-campo. Coutinho saiu da linha de frente, e Mantega ficou sozinho.

Solução construída
Depois de ver sua idéia bombardeada dentro e fora do governo, o ministro tentou recomeçar do zero e buscou uma saída negociada. O próprio presidente Lula pediu que ele "construísse uma solução" em conjunto com Palocci e Mercadante.
O ministro da Fazenda disse aos dois petistas que defendia o ajuste fiscal adicional para acabar com o discurso do Banco Central de que está sozinho no combate à inflação. A resistência vinha do Palácio do Planalto, mais precisamente do próprio presidente e da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Na conversa com Palocci e Mercadante, Mantega afirmou que concordava em postergar o uso do fundo para operar no mercado de câmbio. Até porque, para isso, precisa ter o fundo aprovado pelo Congresso e regulamentado. Mas, para convencer Lula a fazer o ajuste fiscal adicional, ele considerava fundamental dizer que a medida viria acompanhada do fundo soberano.
Assim, o esforço fiscal maior ganha uma cara nova, e o governo, argumento para rebater a tese de que está seguindo o mesmo receituário econômico de sempre.
Mantega entrou em contato com o presidente para pedir sua aprovação ao modelo fechado, o que conseguiu na última quinta-feira. Um assessor do presidente comentou na sexta-feira que o episódio do fundo soberano mostrou claramente que no segundo mandato o Ministério da Fazenda não tem a mesma autonomia do primeiro, quando era comandado por Palocci.
Mantega conta com a confiança de Lula, mas o presidente faz questão de ouvir seus interlocutores econômicos preferidos -Belluzzo, Delfim e Palocci- antes de tomar qualquer decisão na área econômica.
Isso tem gerado especulações sobre um possível enfraquecimento de Mantega, que poderia estar correndo o risco de perder o cargo. Um auxiliar de Lula diz, no entanto, que ele é o ministro da Fazenda ideal, já que não faz sombra ao presidente Lula e não tem receio de recuar diante das pressões do Palácio do Planalto.


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