São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

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LUÍS NASSIF

Um Banco Central suíço

O respeito do Banco Central pelo tal de mercado precisa ser revisto. Há escassez de dólares no mercado, procura por parte de empresas que precisam honrar seus compromissos. Mas a falta de liquidez estimula o poder de meia dúzia de especuladores. Em um mercado menos irracional, há grandes bancos atuando contraciclicamente: vendem quando sentem que o preço está alto; compram quando sentem que está baixo.
Em momentos de paroxismo, esses agentes saem do mercado, que fica tomado pelos especuladores. Meia dúzia deles consegue promover um carnaval pela ausência dos profissionais. E promove porque é previsível o resultado de suas ações, o mercado está em suas mãos.
Nesse contexto de tiroteio, a única coisa a inibir a atuação desses jogadores seria introduzir uma dose de risco em suas ações, um jogador poderoso, que operasse o mercado, bancasse suas apostas e lhes infligisse prejuízos. O grande croupier desse mercado é o BC. É ele quem tem dinheiro em caixa e, mais do que isso, conhece a posição de cada jogador.
Em outros momentos da história, o BC conseguiu segurar o mercado operando um saco de maldades, um porrete na cabeça dos especuladores. Quando o mercado se aquecia, o BC entrava vendendo dólares e, quando as cotações cediam, entrava comprando e refazendo seu caixa. Conseguiu administrar crises cambiais terríveis dispondo de US$ 1 bilhão de cacife. Está certo que o mundo hoje é outro, e as dimensões e interações entre mercados não permitem manobras muito ousadas. Além disso, o BC quer implantar regras impessoais no mercado.
Mas o mercado está seco, ilíquido, e esse estilo suíço não está sendo eficaz. Colocar US$ 50 milhões por dia no mercado é gastar reservas e anular a grande arma do BC para conter os especuladores: o fator surpresa.
A mesa do BC perdeu muito da sua capacidade operacional, até por conta do novo estilo implantado. Mas não teria nenhuma dificuldade em voltar a operar o mercado, principalmente tendo em vista a grande experiência acumulada pela atual diretoria do BC, quando na atividade privada.
Não é o momento de ser suíço.

FHC e o câmbio
Sempre que se leva um tranco na vida por motivo fútil, o único consolo que permite reduzir o sentimento de desperdício é a lição aprendida. O que o país passa hoje, com a crise cambial, merece ser analisado, reanalisado, pesado e aprendido por todos: candidatos à Presidência, mídia e analistas em geral.
A economia, assim como a saúde individual, não suporta desaforos. Durante quatro anos e meio o país foi submetido a um equívoco monumental na política cambial. Nem é o caso de rememorar o besteirol que sustentou essa política.
Os defensores partiam do princípio de que a liquidez internacional seria eterna e infinita e que, portanto, o país tinha que acabar com os superávits comerciais para abrir espaço para o fluxo financeiro. Os críticos sustentavam que não, que o país tinha que ser cauteloso para não criar novas vulnerabilidades.
Agora está claríssimo que os argumentos dos defensores -os "novos economistas", como dizia Delfim Netto- não tinham a menor consistência. Mas, depois do desastre, qual a vantagem de saber quem tinha a razão? O mal está feito e existem muitos culpados.
Há duas lições a tirar do episódio, embora sejam poucas as esperanças de que sejam seguidas. A primeira é que grande defesa institucional de que um país dispõe é saber, antecipadamente, escolher a linha de pensadores mais consistente. Ainda hoje, autores dos maiores equívocos da história econômica contemporânea continuam tendo espaço desproporcional ao seu nível de acerto, pautando jornais e revistas, ajudando a preparar os novos desastres futuros. Não se trata de censurá-los, mas avalizá-los significa não apenas entregar carne de terceira aos seus leitores, como atribuir-lhes uma influência que não estão aptos a exercer.
A segunda lição é que, em qualquer hipótese, política boa é política conservadora. Toda política econômica tem que ser otimista no discurso, mas conservadora na ação.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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