São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Colapso dos EUA é sintoma de crise de longo prazo

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Criador de expressões que fizeram história, como "exuberância irracional" e "ganância infecciosa", o presidente do Fed (banco central dos EUA) não está se saindo tão bem para explicar sua impotência diante da crise que se prolonga. Pior, começa a ficar perdido quando tenta justificar por que não agiu diante da bolha que ele mesmo, em 1996, caricaturou como "exuberância irracional".
Na semana passada, Alan Greenspan declarou que não havia meios de identificar se o movimento nas Bolsas era mesmo uma bolha especulativa, pois "bolhas só podem ser caracterizadas depois que estouram".
A afirmação é paradoxal. Se ele mesmo criticava a valorização excessiva antes do estouro, como pode afirmar agora que não havia meios de caracterizar o ciclo de valorização de papéis como excessivo e indesejável?
O desmonte dos mercados de capitais nos EUA começou há dois anos. O pico da Nasdaq (Bolsa que concentra as ações de empresas de alta tecnologia) aconteceu em março de 2000. Desde então, as perdas acumuladas pelos investidores passam de US$ 7 trilhões. A Nasdaq perdeu 74% do seu valor entre março de 2000 e a última quinta-feira. Colapso é a palavra mais adequada para resumir essa monumental queima de riqueza.
Além da afirmação em que se contradiz, Greenspan argumenta que, para fazer efeito contra a euforia, o Fed teria de elevar os juros a ponto de provocar uma profunda recessão. Elevações graduais seriam inócuas, a julgar por episódios em que as Bolsas, após breves quedas motivadas por elevações de juros, voltavam à espiral especulativa.
Há nesse caso outra contradição, pois Greenspan nos últimos meses adotou a redução gradual das taxas de juros e, mais recentemente, deu sinais de que poderia promover novos cortes para estimular a economia.
Ora, se o gradualismo não funciona contra a euforia altista, qual a garantia de que a política gradual de redução dos juros possa reanimar a economia?
A conclusão é dramática: o discurso do presidente do mais importante banco central do mundo perdeu o sentido, não tem lógica. Há pelo menos duas explicações para esse impasse.
Uma é aceitar que Greenspan realmente perdeu a capacidade de emitir juízos sobre a economia. A outra é acreditar que não se trata de uma limitação pessoal, mas da constatação de que manipulações das taxas de juros são insuficientes em momentos de crise estrutural.
Adotada essa perspectiva de longo prazo, em que a unidade de medida do tempo são ciclos de 50 a 60 anos, a economia mundial estaria chegando ao fim de um longo ciclo cujo período de expansão rápida teve início após a Segunda Guerra.
A taxa de crescimento cai globalmente desde os anos 70. A economia mundial perdeu dinamismo, mas os petrodólares (fundos acumulados por países exportadores de petróleo) incharam os circuitos financeiros internacionais, abrindo espaço para operações especulativas sem precedentes nos mercados.
Os sintomas desse descompasso entre mundo real e mundo financeiro surgiram em lugares diferentes, um após o outro. Os principais episódios de forte dinamismo nos mercados financeiros, a começar pela bolha japonesa, terminaram em crises cambiais ou financeiras.
Todos os mecanismos anticíclicos ou de regulação global falharam, da coordenação entre políticas econômicas à atuação de organismos multilaterais (como FMI e Banco Mundial). Nada nem ninguém parece capaz de pôr um limite a essa irreversível desvalorização de capitais.



Texto Anterior: Painel S.A.
Próximo Texto: Opinião Econômica: O que faria o barão?
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.