São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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ANÁLISE

Mundo rico vive sob risco de estagnação

DO "FINANCIAL TIMES"

Os mercados e as economias jamais se movem exatamente em sincronia. Mas neste ano vem sendo mais difícil do que o normal vincular as Bolsas às perspectivas econômicas.
Até a metade do terceiro trimestre, o otimismo sobre a recuperação da economia mundial era elevado. Os mercados, no entanto, estavam claramente pouco impressionados, estagnados até a metade de maio e caindo rapidamente em junho e julho.
As preocupações crescentes se refletem no tema da reunião de dirigentes de bancos centrais e acadêmicos realizada em Jackson Hole, nas Montanhas Rochosas (EUA). As discussões deste final de semana estão centradas em "repensar as políticas de estabilização", um tema muito distante das preocupações do ano passado, sobre "política econômica para a era da informação".
O quadro econômico mais sombrio é em parte simples reflexo dos recentes problemas nos mercados de ações e títulos corporativos. Mas o mais importante são os dados econômicos decepcionantes que surgiram depois do segundo trimestre, o medo de uma nova guerra no golfo Pérsico e um nervosismo quanto à possibilidade de que os excessos cometidos nos mercados financeiros no final dos anos 90 deixem cicatrizes duradouras.
As economias de grande porte simplesmente não estão crescendo tão rápido quanto se esperava, a despeito das taxas de juros extremamente baixas em todos os países desenvolvidos. O crescimento nos EUA desacelerou severamente. No segundo trimestre, o país cresceu em ritmo anualizado de apenas 1,1%, e mesmo esse resultado se deveu à reconstituição de estoques pelas empresas. Com a queda contínua nos investimentos, a perspectiva de crescimento rápido da produtividade se deteriorou, debilitando ainda mais a tese de uma mudança no ritmo de crescimento relacionada à "nova economia".

Desemprego em alta
Na Europa, a demanda doméstica se recusa a decolar como esperado. Os consumidores e as empresas não mostram sinais de que aumentarão seus gastos. Em lugar disso, o desemprego crescente domina o debate público.
Ainda que tenha havido uma recuperação no crescimento do Sudeste Asiática, a estagnação do Japão continua. Os números do crescimento econômico japonês não oferecem esperança de recuperação. Em lugar de crescimento de 5,8% no primeiro trimestre, como inicialmente registrado, o governo acredita agora que não tenha havido crescimento.
Os números decepcionantes do trimestre até agora foram agravados pela alta nos preços do petróleo, que deriva do medo de uma guerra no Iraque. Assim, a consequência imprevista e indesejada da pressão dos EUA sobre o regime iraquiano foi um aumento nos custos das empresas.
Talvez a maior causa de preocupação seja o fato de que, em muitas economias avançadas, o consumo não pode mais ser visto como força propulsora. Se, como parece cada vez mais provável, os excessos da década de 90 estimularam um aumento do consumo superior ao sustentável, a subsequente volta à realidade persuadirá muitos consumidores a aumentarem sua poupança. Esse ajuste poderia ter efeitos extremamente desestabilizadores. O exemplo do Japão mostra como é difícil administrar um declínio nos preços dos ativos.

Balanço de riscos
Assim, nenhum dos dirigentes de bancos centrais presente em Jackson Hole deve estar tendo ilusões quanto ao balanço dos riscos na economia mundial. Os riscos de inflação são mínimos. De fato, um pouco mais de inflação poderia ajudar a aliviar a carga de dívida dos domicílios e empresas. Mas o risco de estagnação no longo prazo pode crescer.
Se a política monetária era apropriada, no segundo trimestre, agora ela se provou apertada demais. Seria melhor arriscar baixar as taxas de juros para zero, a fim de evitar a estagnação.
Os governos também deveriam permitir que seus déficits orçamentários cresçam, enquanto a arrecadação tributária cai abaixo do esperado e o gasto com o seguro social aumenta. Isso significar um embaraço para o pacto europeu de estabilidade, que tenta limitar o déficit público a 3% do PIB (Produto Interno bruto), mas não há como evitá-lo.
Mas novas medidas fiscais deveriam ser evitadas, porque seus efeitos são ambíguos e muitas vezes mal sincronizados, e os orçamentos dos governos não são tão saudáveis quanto se supunha. A conversa do governo norte-americano sobre reduzir ainda mais o imposto sobre os ganhos de capital, por exemplo, não beneficiaria em nada as perspectivas econômicas imediatas. Prejudicaria a credibilidade da administração orçamentária de longo prazo.
Crescimento econômico sustentável e firme é a ambição de todos os governos. E oferece também as melhores condições para retornos saudáveis sobre os investimentos. Mas, no clima econômico atual, com as forças da estagnação demonstrando vigor, obter taxas decentes de crescimento será difícil. A estabilidade em si talvez seja a melhor esperança, até que a ressaca dos anos 90 seja coisa do passado.


Tradução de Paulo Migliacci


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