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OPINIÃO ECONÔMICA
Os limites do suportável
ANTONIO BARROS DE CASTRO
O público brasileiro parece ter
feito, recentemente, uma drástica reavaliação para pior do quadro econômico do país. A bem
dizer, a avaliação já vinha piorando. Mas o fato de a economia
ter passado incólume pela desvalorização (ao contrário do
previsto por tantos) parece haver introduzido uma espécie de
trégua.
No mês de agosto, no entanto,
juntamente com os péssimos resultados alcançados pelo presidente em pesquisas de opinião
pública, tornou-se evidente um
clima radicalmente descrente
em relação à economia. Diante
desse denso pessimismo, pouco
ou nada adiantam dados como
o de que, no segundo trimestre
de 1999, a economia brasileira
alcançou um nível de atividade
quase 2% acima do atingido no
último trimestre de 1998, o que
contrasta, enormemente, com o
desastre que se seguiu à desvalorização mexicana, tailandesa,
indonésia ou coreana. Menos
ainda parece importar o fato de
que o país vem cumprindo a
principal meta do acordo com o
FMI (ao contrário, mais uma
vez, do ocorrido em outras experiências). Tampouco parece haver convencido a noção, amplamente esposada pela mídia, com
a qual flertaram autoridades do
governo, de que a economia estaria sólida e a fragilidade proviria da política. Proponho, no
que segue, uma interpretação
para o acirramento do pessimismo hoje imperante.
Três aspectos da nossa realidade econômico-social são repudiados pela sociedade: a instabilidade do meio ambiente econômico, a ausência de crescimento
e a (extrema) desigualdade social. Ao que tudo indica, o público brasileiro condena, mas, em
alguma medida, suporta ou
mesmo admite conviver com um
ou dois dos males enunciados. A
situação se torna, porém, intolerável quando eles se apresentam
simultaneamente. Em outras
palavras, a sincronização (ou
ressonância) amplifica drasticamente o mal-estar ou repúdio,
produzindo um colapso da opinião acerca dos governantes e
da própria economia.
Tomemos a experiência do
Real. Nele, a instabilidade foi
sem dúvida drasticamente reduzida. A desigualdade foi também, inicialmente, minorada de
forma significativa. Basta observar que o rendimento médio
(medido pela PME do IBGE e referida a renda das pessoas ocupadas) elevou-se 29% entre julho de 1994 e a média para o ano
de 1997. Como a renda do país
não cresceu nessa proporção, os
rendimentos do trabalho seguramente ganharam espaço
diante dos rendimentos procedentes de outras fontes. Quanto
ao crescimento da economia, no
entanto, e ressalvado o salto inicial, a experiência revelou-se cada dia mais frustrante. Concretamente, do segundo semestre
de 1997 ao presente, o crescimento "per capita" tornou-se
negativo. Ao mesmo tempo, os
avanços no tocante à redução
da desigualdade foram retrocedendo (o que pode ser comprovado por diferentes ângulos). Finalmente, uma vez definido o
novo regime cambial, e após um
breve período de inegável êxito,
começou a difundir-se a percepção de que a instabilidade, agora impulsada pelo câmbio flutuante, poderia estar de volta.
Com o suposto retorno do terceiro mal, a instabilidade, fechava-se o circuito, desabando as esperanças.
O colapso da confiança do público doméstico atua sobre a demanda privada, inibindo-a. Por
parte dos consumidores, por temor ao desemprego, e, quanto às
empresas, pela (re)avaliação negativa do futuro. Isso é particularmente grave numa economia
em que o gasto não pode ser expandido por iniciativa do setor
público (isso violaria o acordo
com o FMI e inviabilizaria o balanço de pagamentos) nem tampouco induzido por novas reduções da taxa de juros (que colocariam em perigo a rolagem da
dívida pública e, novamente, o
balanço de pagamentos). Por
outro lado, não é também de esperar que a impulsão provenha
(a curto prazo, pelo menos) do
mercado externo. Antes de mais
nada, porque o peso relativo das
exportações é pequeno no Brasil.
Além disso, porque as condições
do mercado internacional continuam bastante adversas -mesmo no leste asiático, segundo a
última edição da "The Economist", a recuperação está sendo
propelida pela demanda doméstica.
Os obstáculos apontados impedem (ou melhor, dificultam)
que a retomada do crescimento
-favorecida, em princípio, pela
contração em que já se encontra
a demanda privada, pelo baixo
grau de endividamento e pelas
vantagens competitivas advindas da desvalorização- se efetive. Em suma, o espesso pessimismo está colaborando para a
não-ocorrência do crescimento
ao qual me referi como "fácil".
Reconheço que subestimei as dificuldades existentes. Mas continuo a crer que esse tipo de crescimento aí está, como possibilidade. Já o crescimento rápido e
sustentável vejo, agora com
mais razão, que depende profundamente de uma revisão da
política econômica. Afinal, o governo, que não soube explicar a
desvalorização, tampouco possui um discurso capaz de persuadir o público de que será capaz de superar qualquer dos três
males acima apontados.
Ouve-se, por toda parte, que a
oposição não tem uma agenda
positiva. O extremo pessimismo
provocado pela "ressonância",
anteriormente referida, parece
indicar que, na percepção do público, o governo também não a
tem.
Antonio Barros de Castro, 58, professor-titular da UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras,
a cada 15 dias, nesta coluna.
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