São Paulo, Quarta-feira, 01 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Os limites do suportável

ANTONIO BARROS DE CASTRO
O público brasileiro parece ter feito, recentemente, uma drástica reavaliação para pior do quadro econômico do país. A bem dizer, a avaliação já vinha piorando. Mas o fato de a economia ter passado incólume pela desvalorização (ao contrário do previsto por tantos) parece haver introduzido uma espécie de trégua.
No mês de agosto, no entanto, juntamente com os péssimos resultados alcançados pelo presidente em pesquisas de opinião pública, tornou-se evidente um clima radicalmente descrente em relação à economia. Diante desse denso pessimismo, pouco ou nada adiantam dados como o de que, no segundo trimestre de 1999, a economia brasileira alcançou um nível de atividade quase 2% acima do atingido no último trimestre de 1998, o que contrasta, enormemente, com o desastre que se seguiu à desvalorização mexicana, tailandesa, indonésia ou coreana. Menos ainda parece importar o fato de que o país vem cumprindo a principal meta do acordo com o FMI (ao contrário, mais uma vez, do ocorrido em outras experiências). Tampouco parece haver convencido a noção, amplamente esposada pela mídia, com a qual flertaram autoridades do governo, de que a economia estaria sólida e a fragilidade proviria da política. Proponho, no que segue, uma interpretação para o acirramento do pessimismo hoje imperante.
Três aspectos da nossa realidade econômico-social são repudiados pela sociedade: a instabilidade do meio ambiente econômico, a ausência de crescimento e a (extrema) desigualdade social. Ao que tudo indica, o público brasileiro condena, mas, em alguma medida, suporta ou mesmo admite conviver com um ou dois dos males enunciados. A situação se torna, porém, intolerável quando eles se apresentam simultaneamente. Em outras palavras, a sincronização (ou ressonância) amplifica drasticamente o mal-estar ou repúdio, produzindo um colapso da opinião acerca dos governantes e da própria economia.
Tomemos a experiência do Real. Nele, a instabilidade foi sem dúvida drasticamente reduzida. A desigualdade foi também, inicialmente, minorada de forma significativa. Basta observar que o rendimento médio (medido pela PME do IBGE e referida a renda das pessoas ocupadas) elevou-se 29% entre julho de 1994 e a média para o ano de 1997. Como a renda do país não cresceu nessa proporção, os rendimentos do trabalho seguramente ganharam espaço diante dos rendimentos procedentes de outras fontes. Quanto ao crescimento da economia, no entanto, e ressalvado o salto inicial, a experiência revelou-se cada dia mais frustrante. Concretamente, do segundo semestre de 1997 ao presente, o crescimento "per capita" tornou-se negativo. Ao mesmo tempo, os avanços no tocante à redução da desigualdade foram retrocedendo (o que pode ser comprovado por diferentes ângulos). Finalmente, uma vez definido o novo regime cambial, e após um breve período de inegável êxito, começou a difundir-se a percepção de que a instabilidade, agora impulsada pelo câmbio flutuante, poderia estar de volta. Com o suposto retorno do terceiro mal, a instabilidade, fechava-se o circuito, desabando as esperanças.
O colapso da confiança do público doméstico atua sobre a demanda privada, inibindo-a. Por parte dos consumidores, por temor ao desemprego, e, quanto às empresas, pela (re)avaliação negativa do futuro. Isso é particularmente grave numa economia em que o gasto não pode ser expandido por iniciativa do setor público (isso violaria o acordo com o FMI e inviabilizaria o balanço de pagamentos) nem tampouco induzido por novas reduções da taxa de juros (que colocariam em perigo a rolagem da dívida pública e, novamente, o balanço de pagamentos). Por outro lado, não é também de esperar que a impulsão provenha (a curto prazo, pelo menos) do mercado externo. Antes de mais nada, porque o peso relativo das exportações é pequeno no Brasil. Além disso, porque as condições do mercado internacional continuam bastante adversas -mesmo no leste asiático, segundo a última edição da "The Economist", a recuperação está sendo propelida pela demanda doméstica.
Os obstáculos apontados impedem (ou melhor, dificultam) que a retomada do crescimento -favorecida, em princípio, pela contração em que já se encontra a demanda privada, pelo baixo grau de endividamento e pelas vantagens competitivas advindas da desvalorização- se efetive. Em suma, o espesso pessimismo está colaborando para a não-ocorrência do crescimento ao qual me referi como "fácil". Reconheço que subestimei as dificuldades existentes. Mas continuo a crer que esse tipo de crescimento aí está, como possibilidade. Já o crescimento rápido e sustentável vejo, agora com mais razão, que depende profundamente de uma revisão da política econômica. Afinal, o governo, que não soube explicar a desvalorização, tampouco possui um discurso capaz de persuadir o público de que será capaz de superar qualquer dos três males acima apontados.
Ouve-se, por toda parte, que a oposição não tem uma agenda positiva. O extremo pessimismo provocado pela "ressonância", anteriormente referida, parece indicar que, na percepção do público, o governo também não a tem.


Antonio Barros de Castro, 58, professor-titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.



Texto Anterior: Dólar lidera ranking de agosto com folga
Próximo Texto: Pesquisa: UOL recebe prêmio de melhor provedor de Internet do Brasil
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.