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ARTIGO
Decisão do Congresso foi tão compreensível quanto errada
As finanças são uma rede de intermediação que conecta os agentes econômicos uns aos outros; sem ela, economia moderna alguma é capaz de sobreviver
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
FAZ POUCO menos de 70
anos que a Grande Depressão começou. A julgar pela rejeição do plano do secretário do Tesouro Hank
Paulson, parece que o Congresso dos EUA crê que tenha chegado a hora de nova depressão.
Aquela crise econômica talvez
tenha sido a pior catástrofe do
século 20; entre outras coisas,
responde pelos eventos que
conduziram à Segunda Guerra,
com destaque para a ascensão
de Hitler. E nós só podemos
imaginar os horrores que uma
depressão traria agora.
Afirmações como essa talvez
pareçam exagero. E espero que
os maus presságios não se confirmem. No entanto, um desfecho calamitoso deixou de ser
impossível, não porque a depressão seja inevitável, longe
disso, mas porque é necessário
agir para que ela não aconteça.
Estamos assistindo à desintegração do sistema financeiro.
As finanças são uma rede de intermediação que conecta os
agentes econômicos uns aos
outros, no espaço e no tempo.
Sem ela, economia moderna alguma pode sobreviver. Mas isso está sob ameaça, agora, dado
o colapso da confiança e a fuga
para a segurança. Podemos
conduzir esse processo de forma mais eficiente. Mas por que
o faríamos?
Mesmo antes que o Congresso rejeitasse o plano, o "spread"
entre a taxa Libor (taxa de juros
interbancária, referência dos
mercados) e as taxas oficiais de
juros havia superado os 200
pontos básicos. Antes do início
da crise, em agosto de 2007, esse "spread" era desprezível. E
isso não é tudo: na segunda-feira, o rendimento das notas de
curto prazo do Tesouro dos Estados Unidos estava abaixo de
1%; e os "spreads" de crédito
para os títulos de maior risco
estavam se alargando rapidamente. O índice amplo da Bolsa
de Nova York S&P 500 também
despencou, em 8,8% na segunda-feira, seu pior dia desde o 19
de outubro de 1987. Nada poderia demonstrar melhor o quanto é absurda a crença de que é
possível punir o mercado financeiro sem prejudicar a economia mais ampla. As duas coisas estão conectadas, como deveriam estar.
Se o sistema financeiro deixar de funcionar devidamente e
diversas instituições financeiras entrarem em colapso, todo
mundo sairá prejudicado, e empresas e domicílios passarão
por escassez ainda maior de
crédito. O que está acontecendo no momento é uma espiral
de queda gerada pelo pânico, na
qual instituições financeiras
desprovidas de liquidez despejam ativos a qualquer preço,
enfraquecendo a si mesmas e a
outras empresas, especialmente agora que os balanços contabilizam os ativos por seu valor
de mercado. Isso solapa a capacidade de conceder empréstimos e prejudica os preços dos
ativos, e ainda mais a economia, o que representa novo
abalo para os ativos.
O que temos, portanto, é a
"revulsão" -o estágio final de
uma bolha, no qual, de acordo
com os argumentos do economista Hyman Minsky, os investidores estão tão apavorados
que não conseguem mais se
forçar a participar do mercado.
Infelizmente, entre os investidores em pânico do mercado
atual estão os bancos. Eles desejam evitar até mesmo empréstimos entre si. O passivo
bruto do setor financeiro americano disparou de só 21% do
PIB em 1980 para 116% em
2007. Parte imensa desses passivos gigantescos representa
posições que instituições financeiras detêm em outras instituições. Caso não surja crédito, haverá um colapso. É por isso que o setor de bancos de investimentos desapareceu em
apenas algumas semanas.
Diante de um pano de fundo
tão negativo, de que maneira
devemos interpretar a rejeição
da Câmara dos EUA ao plano?
Como uma decisão tanto compreensível quanto errada.
É compreensível porque o
uso do dinheiro dos contribuintes para adquirir os títulos
tóxicos lastreados por hipotecas junto aos tolos cobiçosos
que criaram a crise é difícil de
tolerar. Também é compreensível e louvável que os republicanos hostis ao "socialismo"
não queiram resgatar os ricos
nada merecedores dessa ajuda,
ao menos não antes de uma
eleição. Outro motivo é que o
plano não convence. Foi criado
para tratar da falta de liquidez,
e a crise representa um problema de insolvência, à medida
que caem os preços das casas e
a economia perde força.
Mas a rejeição é um erro grave porque o desastre resultante
prejudicará os fracos e destruirá a legitimidade da economia
de mercado. A decisão na verdade servirá para convencer a
todos de que os EUA estão optando pela inação. Em um momento de tamanha fragilidade,
quando o seguro oferecido pelo
governo é realmente indispensável, a pior mensagem possível
está sendo transmitida. É lastimável que Paulson não tenha
escolhido outro plano. É lastimável, igualmente, que um antigo titã de Wall Street seja o
encarregado de resgatá-la. Mas
ainda assim rejeitar o plano é
um erro. É preciso usá-lo como
base para fazer o necessário.
O que acontece agora? O primeiro esforço deve ser encontrar um plano que o Congresso
aprove. É perfeitamente possível desenvolver idéias que protejam melhor os contribuintes,
insistindo em plena restituição
depois que as empresas socorridas recuperarem a saúde.
Segundo, parece provável
que instituições financeiras
significativas tenham dificuldades para se financiar nos próximos dias, à medida que suas
ações caem e devido ao congelamento no crédito interbancário. Os bancos centrais precisam realizar todos os esforços
imagináveis e alguns inimagináveis para garantir a liquidez.
O Fed pode se ver forçado a resgatar outros bancos. Lamentável, mas necessário.
Terceiro, os europeus precisam reconhecer que estão no
mesmo barco. Até mesmo um
pequeno corte nas taxas de juros pelo Banco Central Europeu e pelo Banco da Inglaterra
poderia ser um sinal útil.
Nada do que está acontecendo é facilmente palatável. O
surgimento de mastodontes financeiros ainda maiores e mais
complexos -grandes demais
para falir- é prenúncio de futuras crises. Mas embora seja
preciso medir as implicações
de longo prazo da resolução da
crise, é necessário resolvê-la.
Franklin Delano Roosevelt
tornou famosa a idéia de que "a
única coisa que devemos temer
é o medo". Quando a confiança
despenca, a economia de mercado não é capaz de funcionar.
Agora, é preciso restaurá-la.
O problema não é falta de conhecimento sobre como fazê-lo: sabemos como recapitalizar
e reestruturar sistemas financeiros. O problema é falta de
vontade política. O governo
precisa começar a demonstrar
que está no controle. No final
de um governo americano fracassado, talvez seja demais esperar por isso. Winston Churchill declarou que "os EUA invariavelmente fazem a coisa
certa depois de esgotarem todas as demais alternativas". As
alternativas se esgotaram. É
hora de os políticos fazerem a
coisa certa.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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