São Paulo, quarta-feira, 01 de outubro de 2008

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ARTIGO

Não intervir não é opção

FERNANDO CARDIM
ESPECIAL PARA A FOLHA

O PLANO Paulson naufragou na percepção generalizada do público americano de que se tratava de uma tábua de salvação para banqueiros, um dos grupos sociais menos apreciados pela sociedade em geral.
Em relação ao texto originalmente proposto, essa percepção não estava muito longe da realidade. O Plano Paulson realmente aliviaria a situação presente das instituições financeiras, adquirindo seus ativos desvalorizados, sem praticamente exigir nada em troca.
Não havia qualquer restrição, por exemplo, à fixação de preços desses ativos muito superiores aos de mercado. Na realidade, preços superiores aos de mercado seriam quase obrigatórios, porque o valor que o mercado reconhece atualmente nesses ativos é exatamente o que está ameaçando a solvência de tantas instituições financeiras.
Mas, uma vez que essas instituições vendessem o produto de seus erros à sociedade como um todo, representada pelo governo, o que fariam com essas receitas seria de seu inteiro arbítrio, sendo possível realmente, como temeram os cidadãos americanos e seus representantes no Congresso, que se transformassem em fontes de pagamentos a executivos acostumados a apropriar-se dos ganhos do setor financeiro.
Mas o plano era também ineficiente. A preocupação das autoridades é a de que instituições financeiras descapitalizadas não se dispõem a ofertar o crédito de que a economia necessita para funcionar. Empresas necessitam de capital de giro, consumidores necessitam de crédito, compradores de imóveis precisam de empréstimos hipotecários, etc. Essas necessidades não têm como ser satisfeitas por bancos cujo capital encolheu drasticamente, até mesmo porque a regulação financeira vigente, os acordos da Basiléia, não o permite. O Plano Paulson não atacava o problema da descapitalização.
Seu objetivo era colocar um piso sob o preço dos ativos de crédito no balanço das instituições financeiras, cuja queda contínua a cada dia ameaçava mais instituições. Em outras palavras, o Plano Paulson era um plano para deter a queda, não para levantar de novo o sistema financeiro.
Das duas limitações, foi sem dúvida a primeira que matou a iniciativa na primeira votação na Câmara dos Deputados na segunda feira. O problema da capitalização envolve sutilezas que podem ter escapado à percepção de políticos e seus eleitores. Já o favorecimento de banqueiros e executivos financeiros às custas do contribuinte era algo visível e palpável. Por outro lado, os custos da inação não foram devidamente esclarecidos.
A ameaça do juízo final tem sido feita nos últimos anos tantas vezes em tantos contextos (na justificação da invasão do Iraque, por exemplo), que aparentemente perdeu sua efetividade. De qualquer modo, é muito mais fácil assustar a sociedade com a imagem de armas de destruição em massa do que da crise sistêmica, cujos contornos mesmo os especialistas em depressões têm dificuldade em delinear no presente. Comparações com a grande depressão da década de 1930 comovem, na verdade, a muito poucos.
Não nos enganemos. Se as lideranças políticas americanas não se mostraram capazes de impressionar os eleitores que pressionaram seus representantes a rejeitar o Plano Paulson, mesmo depois de este ter sido modificado para atenuar seus elementos mais regressivos, é preciso tentar de novo, e rapidamente. O sistema financeiro americano dá sinais de ter entrado na fase inicial da crise sistêmica, com o contágio de um número crescente de instituições financeiras. Esse contágio também está se dando agora com instituições européias.
É uma situação de extremo risco e a opção de permitir ao mercado encontrar seu equilíbrio por si mesmo só existe nos delírios dos que aceitam a chamada hipótese dos mercados eficientes. Intervir em escala sistêmica deixou de ser uma escolha.

FERNANDO CARDIM é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)



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