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ARTIGO
Não intervir não é opção
FERNANDO CARDIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
PLANO Paulson naufragou na percepção
generalizada do público americano de que se tratava
de uma tábua de salvação para
banqueiros, um dos grupos sociais menos apreciados pela sociedade em geral.
Em relação ao texto originalmente proposto, essa percepção não estava muito longe da
realidade. O Plano Paulson
realmente aliviaria a situação
presente das instituições financeiras, adquirindo seus ativos
desvalorizados, sem praticamente exigir nada em troca.
Não havia qualquer restrição, por exemplo, à fixação de
preços desses ativos muito superiores aos de mercado. Na
realidade, preços superiores
aos de mercado seriam quase
obrigatórios, porque o valor
que o mercado reconhece
atualmente nesses ativos é exatamente o que está ameaçando
a solvência de tantas instituições financeiras.
Mas, uma vez que essas instituições vendessem o produto
de seus erros à sociedade como
um todo, representada pelo governo, o que fariam com essas
receitas seria de seu inteiro arbítrio, sendo possível realmente, como temeram os cidadãos
americanos e seus representantes no Congresso, que se
transformassem em fontes de
pagamentos a executivos acostumados a apropriar-se dos ganhos do setor financeiro.
Mas o plano era também ineficiente. A preocupação das autoridades é a de que instituições financeiras descapitalizadas não se dispõem a ofertar o
crédito de que a economia necessita para funcionar. Empresas necessitam de capital de giro, consumidores necessitam
de crédito, compradores de
imóveis precisam de empréstimos hipotecários, etc. Essas necessidades não têm como ser
satisfeitas por bancos cujo capital encolheu drasticamente,
até mesmo porque a regulação
financeira vigente, os acordos
da Basiléia, não o permite. O
Plano Paulson não atacava o
problema da descapitalização.
Seu objetivo era colocar um piso sob o preço dos ativos de crédito no balanço das instituições
financeiras, cuja queda contínua a cada dia ameaçava mais
instituições. Em outras palavras, o Plano Paulson era um
plano para deter a queda, não
para levantar de novo o sistema
financeiro.
Das duas limitações, foi sem
dúvida a primeira que matou a
iniciativa na primeira votação
na Câmara dos Deputados na
segunda feira. O problema da
capitalização envolve sutilezas
que podem ter escapado à percepção de políticos e seus eleitores. Já o favorecimento de
banqueiros e executivos financeiros às custas do contribuinte
era algo visível e palpável. Por
outro lado, os custos da inação
não foram devidamente esclarecidos.
A ameaça do juízo final tem
sido feita nos últimos anos tantas vezes em tantos contextos
(na justificação da invasão do
Iraque, por exemplo), que aparentemente perdeu sua efetividade. De qualquer modo, é
muito mais fácil assustar a sociedade com a imagem de armas de destruição em massa do
que da crise sistêmica, cujos
contornos mesmo os especialistas em depressões têm dificuldade em delinear no presente. Comparações com a grande
depressão da década de 1930
comovem, na verdade, a muito
poucos.
Não nos enganemos. Se as lideranças políticas americanas
não se mostraram capazes de
impressionar os eleitores que
pressionaram seus representantes a rejeitar o Plano Paulson, mesmo depois de este ter
sido modificado para atenuar
seus elementos mais regressivos, é preciso tentar de novo, e
rapidamente. O sistema financeiro americano dá sinais de ter
entrado na fase inicial da crise
sistêmica, com o contágio de
um número crescente de instituições financeiras. Esse contágio também está se dando agora com instituições européias.
É uma situação de extremo risco e a opção de permitir ao
mercado encontrar seu equilíbrio por si mesmo só existe nos
delírios dos que aceitam a chamada hipótese dos mercados
eficientes. Intervir em escala
sistêmica deixou de ser uma escolha.
FERNANDO CARDIM é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
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