São Paulo, quinta, 1 de outubro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA

Concentração da renda nacional

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Desde o início de setembro, o governo brasileiro tem sido levado a adotar ou anunciar uma série de medidas para fazer face à forte pressão cambial. Como não poderia deixar de ser, essas providências vêm sendo discutidas e rediscutidas "ad nauseam".
No entanto há um tema praticamente ausente desse debate todo: o efeito das medidas recentes sobre a distribuição da renda nacional. Não me recordo de ter visto um artigo ou sequer um comentário sobre a questão.
Até parece que o pacote econômico será neutro do ponto de vista distributivo. E nem parece que o Brasil apresenta uma das piores distribuições de renda do planeta. Para os setores que comandam o debate público no país, o assunto simplesmente não existe.
Bem sei que isso não é novidade. Distribuição de renda nunca tirou o sono dos governantes brasileiros. Num país como o nosso, o sujeito que resolve se especializar nessa área tem a sua obra relegada ao mais completo e total esquecimento.
O atual governo também nunca atribuiu prioridade a essa questão. Contentou-se em proclamar que o combate à inflação, por si mesmo, melhoraria a distribuição da renda. Num momento de especial inspiração, um alto funcionário do Banco Central chegou a afirmar que a única maneira de resolver o problema social era estabilizar os preços...
Não seria agora, no meio da turbulência financeira, que o governo FHC começaria a dar mais atenção aos efeitos sociais da política econômica. O pior é que as novas medidas devem provocar mais concentração de renda no país. Tudo indica que os setores de renda mais baixa pagarão, outra vez, o grosso da conta da crise.
Não é difícil entender por quê. Com a drástica elevação das taxas de juro e as medidas de ajuste do orçamento primário do setor público, o desemprego tenderá a aumentar. As demissões atingirão sobretudo os trabalhadores menos qualificados e de menor nível de renda. E a taxa de juro que desemprega os mais pobres beneficia sobretudo aqueles que já têm patrimônio financeiro acumulado, vale dizer, os proprietários de aplicações e depósitos expressivos no sistema financeiro.
A elevação dos juros, adotada com o intuito de preservar a estabilidade cambial, tende a concentrar a renda dentro do próprio meio empresarial. O câmbio relativamente estável beneficia os endividados em moeda estrangeira, quase sempre as filiais de corporações estrangeiras, as empresas brasileiras de maior porte, os bancos e outras instituições financeiras. E os juros altos sobrecarregam os endividados em moeda nacional, geralmente pequenas e médias empresas, que têm pouco ou nenhum acesso a crédito externo, e pessoas físicas de menor renda, que dependem de crédito interno para ter acesso a bens de consumo duráveis.
Mas o principal devedor em moeda nacional é o próprio governo. Para tentar neutralizar o efeito da alta dos juros sobre o déficit fiscal, os ministérios da Fazenda e do Planejamento prometeram cortar gastos e acenaram, também, com aumento da receita de impostos.
Não se conhece ainda a composição desse ajuste fiscal programado. Entretanto, considerando a natureza das forças que sustentam o governo Fernando Henrique Cardoso, e admitindo que ele venha a ser reeleito, parece pouco provável que os cortes de gastos e os aumentos de receitas venham a ferir os interesses dos setores de renda e patrimônio mais altos.
No que diz respeito a impostos, pode-se duvidar, por exemplo, de que o governo tenha a disposição de trabalhar em favor do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição de 1988 e nunca criado, embora o projeto original seja de autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso. Não é um homônimo do presidente, mas o próprio, em outra edição.
Recentemente, o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, concedeu entrevista à revista "Istoé". Ao ser questionado sobre se não seria o caso de introduzir o IGF, nos termos do projeto do senador FHC, Maciel respondeu com ironia: "Nunca recebi orientação do presidente para tratar dessa matéria. Aliás, ao contrário, o presidente me recomendou que não lesse o que ele havia escrito. E eu sou disciplinado".
Há motivos para desconfiar que o possível ou provável aumento de impostos recairá essencialmente sobre os contribuintes de sempre: a classe média que não tem como fugir do Imposto de Renda retido na fonte e os pobres que já suportam pesada carga de tributos indiretos.
Aos críticos da política econômica, só restará repetir o velho bordão do Jô Soares: "Quem mandou votar no homem?".


Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net




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