São Paulo, quinta, 1 de outubro de 1998

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Canadá propõe moratória negociada

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

O governo do Canadá ousou ontem propor o que era impensável até recentemente: uma moratória negociada, administrada pelo FMI, para todos os países devedores que estivessem sob risco de declarar moratória unilateral, como ocorreu com a Rússia.
A proposta cobre, como é óbvio, o caso do Brasil, país que está sofrendo tão forte sangria de capitais que, no limite, poderá ver-se compelido a suspender o pagamento de seus débitos externos.
A sugestão foi apresentada em discurso do ministro canadense das Finanças, Paul Martin, na abertura da reunião anual dos ministros de Finanças da Commonwealth, conglomerado composto pelos países que foram ou são dependências britânicas.
Martin defendeu a introdução da "cláusula de congelamento de emergência" para todos os contratos financeiros envolvendo empréstimos ditos soberanos, ou seja, feitos pelos governos, e não pela iniciativa privada, de cada país.
Tal cláusula só poderia ser invocada em circunstâncias extremas, quando a retirada de capitais de curto prazo estivesse afetando severamente a capacidade de um país de restaurar a estabilidade financeira, relata o jornal britânico "Financial Times".
A diretoria-executiva do FMI teria que aprovar a aplicação da cláusula, uma moratória para todos os efeitos práticos, em princípio de 90 dias de duração.
Com isso, o país que obtivesse direito ao uso da cláusula de emergência pararia de pagar o principal e também os juros sobre sua dívida, ganhando tempo para renegociar o débito em caráter mais permanente.
Martin disse ainda que pretende levar a proposta para discussão com os demais ministros de Finanças que vão participar da reunião anual do FMI, que começa na semana que vem, em Washington.
A proposta canadense inclui também envolver o setor privado nas negociações, forçando-o a dividir com os governos a responsabilidade por prover recursos para os países estrangulados. Em contrapartida, representantes do setor privado teriam assento à mesa de discussão sobre a renegociação das dívidas.
A proposta canadense parte do princípio de que o FMI, historicamente o organismo que financia países em crise nas contas externas, não tem mais recursos para fazê-lo.
Martin comparou o presente cenário de fuga de capitais dos países emergentes ao de corridas contra bancos, "mas em uma escala impressionante, grande demais para que o FMI possa bancar".
É uma observação que combina com a mais recente avaliação que o economista Paul Krugman (do mitológico MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts) fez ao jornal "The New York Times".
Para Krugman, "o Fundo pode precisar de US$ 200 bilhões adicionais apenas para financiar o Brasil sem lhe impor uma severa recessão".
A proposta canadense não é a única ousadia a ser posta em circulação sob a pressão da crise.
O ministro britânico de Finanças, Gordon Brown, está sugerindo a criação de um "Comitê Permanente para a Regulamentação das Finanças Globais".
O comitê proposto combinaria recursos do FMI, do Banco Mundial e do BIS (Banco de Compensações Internacionais, que funciona como uma espécie de Banco Central dos bancos centrais).
A proposta soa a sugerir controles sobre os fluxos internacionais de capitais, embora o chefe de Brown, o primeiro-ministro Tony Blair, tenha ontem mesmo rejeitado sugestões de outras personalidades nesse sentido.



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