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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Antes que seja tarde demais...
LUCIANO COUTINHO
As avaliações sobre o desempenho da economia brasileira
no ano passado foram quase
unânimes em destacar a forma
bem-sucedida de transição do
maligno regime macroeconômico anterior (câmbio sobrevalorizado com juros muito altos) para o atual -com pequeno impacto sobre a taxa de inflação.
Não há dúvida de que a atual
política abriu uma perspectiva
mais saudável para o futuro da
economia ao liberar a taxa de
câmbio da armadilha. Mas as
razões para comemoração devem parar por aí.
Já está claro para todos que os
estragos provocados pela forma
imprevidente da gestão do Plano Real foram muito profundos.
Não existem condições de sustentação do crescimento e há,
ainda, que atravessar os riscos
de realimentação da inflação.
A evidência inequívoca da situação de vulnerabilidade está
na dificuldade de reduzir a taxa
de juros. Com efeito, nos últimos
cinco anos a conjugação de elevados déficits interno e externo
provocou uma avassaladora expansão dos passivos domésticos
(dívida pública a juros elevadíssimos) e das obrigações em moeda estrangeira (passivos privados externos sob diversas formas). Os encargos e as remunerações devidas sobre esses passivos exercem, respectivamente,
forte pressão sobre as contas públicas e sobre o balanço de pagamentos.
A sustentação do crescimento
tornou-se, assim, muito mais difícil. A política econômica fica
vulnerável quando as expectativas de mercado se tornam incertas, dificultando a "rolagem"
das duas grandes massas de passivos (domésticos e externos),
além das necessidades ainda
elevadas de financiamento dos
déficits público (os juros devidos
pesam mais de 7% do PIB ao
ano) e em transações correntes
com o exterior (déficit na conta
de serviços -principalmente juros e lucros remetidos- superior a US$ 28 bilhões/ano).
Na circunstância atual, qualquer aceleração mais forte do
crescimento tenderia a deflagrar
efeitos perversos sobre a inflação
e sobre as contas externas. A
contenção da inflação em 1999
só foi possível em razão da importante queda da massa de
rendimentos da sociedade (de
5,1% em 1999). Com desemprego
elevado e séria precarização das
condições de emprego, houve
significativa queda dos rendimentos médios reais dos trabalhadores, resultando em dois
efeitos antiinflacionários: 1) caíram fortemente os custos de
mão-de-obra para as empresas;
2) a demanda por bens de consumo se manteve retraída. Assim, os salários reais mais baixos
auxiliaram na absorção das
pressões de custo sobre as empresas decorrentes da maxidesvalorização e, de outro lado, o
fraco desempenho da demanda
contribuiu para disciplinar a
formação de preços.
Assim, uma eventual retomada mais firme do emprego e da
demanda final de consumo criaria condições para uma recomposição das margens de rentabilidade, atualmente comprimidas em várias cadeias setoriais,
sob a forma de repasse aos preços das pressões de custo remanescentes.
Simultaneamente, uma recuperação mais rápida da economia tenderia a comprometer o
objetivo oficial de alcançar um
superávit comercial próximo a
US$ 5 bilhões no ano 2000. Não
se trata apenas da capacidade
de melhorar substancialmente
as vendas externas, cujo bom desempenho dependerá dos preços
internacionais das nossas commodities de exportação. Há, de
outro lado, a possibilidade de
que as importações também
cresçam expressivamente, apesar da desvalorização cambial,
ante a lentidão do avanço do
processo de substituição de importações.
Uma nova frustração das expectativas com relação à balança comercial, assim como uma
eventual reaceleração da inflação, criaria sério obstáculo à
continuidade do crescimento. A
política de juros e câmbio continua, assim, refém das vulnerabilidades.
Depois de duas décadas decepcionantes -em contraste com o
avanço da 3ª Revolução Industrial nas economias desenvolvidas-, o Brasil não pode mais
permanecer condenado à estagnação, à desnacionalização e à
crise social desesperadora. No
início de um novo século, a nossa sociedade quer poder voltar a
olhar o futuro com esperança.
Não tolera mais a pobreza, a
violência, a corrupção, o desemprego e o desencanto.
É preciso que o governo FHC
entenda isso e crie coragem e
vergonha. É necessário recomeçar a construção do Brasil, interrompida pela crise dos anos 80 e
desfeita pela política de câmbio
sobrevalorizado. É urgente construir fundamentos sólidos para
a sustentação autônoma do desenvolvimento. Isso implica obter e manter um superávit comercial de grande escala (superior a 2% do PIB) para que possa gerar divisas próprias e financiar as nossas contas externas -
interrompendo-se o absurdo ciclo de alienação de ativos nacionais em serviços públicos e em
outros setores "non-tradeables".
A reorganização econômica
do país não pode aguardar mais
tempo sem que incorramos em
custos irreversíveis e riscos incomensuráveis.
Luciano Coutinho, 53, é professor titular
do Instituto de Economia da Universidade
de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia
(1985-88).
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