São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

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Em meio à crise, real atinge maior valor

Trazido à cotação presente, dólar de antes da maxidesvalorização de 1999 valeria R$ 2,28, diz estudo; hoje está abaixo de R$ 1,70

Para economistas, câmbio não deflagra crise porque a economia está mais forte e subiram preços e volumes das exportações brasileiras

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil da moeda forte do final dos anos 90, em que a classe média teve acesso a produtos importados, viagens e estudos no exterior, está de volta. Estudo da consultoria Economática mostra que, mesmo em meio à crise nos mercados, o dólar a R$ 1,67 chegou a seu menor valor real (descontada a inflação pelo IPCA) desde janeiro de 1980 -equivale a dizer que a moeda brasileira está no maior valor em quase 30 anos.
Toda vez que isso acontecia na história brasileira o país estava às portas de uma crise cambial, em que o governo era obrigado a recorrer a uma desvalorização para fazer caixa com exportações. A última crise do tipo foi em 1998, época do câmbio fixo. Culminou na maxidesvalorização de 8,3% do real, em 13 de janeiro de 1999.
O dólar já está hoje em um valor real mais baixo do que antes dessa máxi. Trazido a valor atual, o R$ 1,12 do câmbio fixo valeria R$ 2,28. Do lado oposto, o maior valor atingido pelo dólar foi em 27 de junho de 1985 (governo Sarney), quando a moeda era o cruzeiro e a inflação chegava a 30% ao mês. Em valores atuais, o dólar estaria a R$ 7,43 -e a moeda brasileira em US$ 0,13. Anteontem, chegou a US$ 0,591 por real e na quinta, a US$ 0,598.
No estudo, a Economática trouxe o dólar a valor presente em seis moedas, pela ordem cronológica: cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro (novamente), cruzeiro real e real. O levantamento começa em 1980, o primeiro ano cheio do IPCA.
A novidade é que a valorização da moeda brasileira acontece fora de um cenário de crise. O que mudou? O dólar perdeu valor internacional. O mundo cresceu e a economia brasileira se fortaleceu, na avaliação de economistas ortodoxos e heterodoxos, de diferentes linhas políticas. A primeira mudança foi o câmbio flutuante, que amortece as oscilações.
"As maxidesvalorizações ocorreram sempre em regime de câmbio fixo", disse o ex-ministro Mailson da Nóbrega, que fez uma máxi em 1989.
"Se secar o fluxo de capitais, naturalmente o câmbio se desvaloriza e reequilibra via comércio", disse Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC que enfrentou a crise de 2002.

"Mãozinha de Deus"
O mundo passou a consumir e a pagar mais por produtos brasileiros, como commodities. Também cresceu a liquidez internacional, que liberou dinheiro especulativo e produtivo para buscar maior retorno nos emergentes. Hoje, a diferença entre o juro alto no país e o baixo lá fora estimula ainda mais a entrada de capitais.
"Com uma mãozinha de Deus, aumentaram as exportações e os preços. O Brasil costumava gastar com petróleo, em momentos de crise, 45% da receita com exportação. Isso mudou. A situação permite fazer quatro anos de besteira sem nenhuma conseqüência", disse o ex-ministro Delfim Netto, que operou máxis nos anos 70.
"Sempre haverá flutuações do câmbio em razão de crises e coisas da espécie. Não são as regras que mudam, é o ambiente econômico. A melhora da economia ocasiona a valorização cambial", disse Gustavo Franco, ex-presidente do BC à época do câmbio fixo.
"Voltamos à taxa do Gustavo Franco. Perdemos o efeito da máxi de 1999. Mas o Brasil ganhou eficiência, o exportador aprendeu a usar a taxa a seu favor, aproveitou o juro mais baixo lá fora", disse Emilio Garofalo, ex-diretor do BC em 1991.
Para o presidente da Economática, Fernando Exel, o estudo merece uma ressalva para o efeito da perda do valor de compra do dólar. Desde 1980, a inflação ao consumidor nos EUA foi de 175%. No Brasil, esse índice foi de 230%.
"A inflação do dólar no mundo inteiro não pode ser muito diferente, senão geraria oportunidades de arbitragem. Ou vamos entrar numa nova era, em que as vantagens da moeda americana de ser referência internacional se perdem, ou o dólar está mais baixo no Brasil do que deveria e vai se recuperar."


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