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OPINIÃO ECONÔMICA
Nós e a torcida do Flamengo
RUBENS RICUPERO
A ladainha da excepcionalidade econômica brasileira
foi de novo entoada pelo coro dos
comentaristas por ocasião da saída do ministro da Fazenda: nunca teve o Brasil risco tão baixo
nem reservas tão altas; jamais se
ouviu falar de saldos de tamanha
suculência nas contas comerciais
ou correntes, nem de pagamento
antecipado de dívidas, como agora.
A subliminar mensagem dos
homens treinados na arte de "talking up the markets", isto é, de levar os mercados à alta na base da
lábia, é clara: isso se deve não aos
fados, mas à excelência das políticas e à competência dos que as
operam.
Se, em lugar de só dar ouvido a
Wall Street, essa gente se desse ao
trabalho de ler o relatório da Cepal sobre a economia da América
Latina e do Caribe, teria aprendido melodia diferente e com mais
sabor de salsa ou reggae. Os refrães da nova canção, extraídos
ipsis litteris dos subtítulos da
apresentação do relatório no site
da Cepal, soariam como plágio
da economia pátria:
- apesar da recuperação dos
anos recentes, a região cresce menos que o conjunto dos países em
desenvolvimento;
- o fato mais destacado é a coincidência do crescimento e do superávit em conta corrente;
- isso se deve, em parte, à melhoria dos termos de intercâmbio;
- os governos aproveitam a conjuntura favorável para melhorar
o resultado das contas públicas
(leia-se, produzem superávits primários);
- e diminuem consideravelmente seu endividamento, reduzindo
o grau de vulnerabilidade externa da região;
- a acumulação de reservas é generalizada;
- os níveis de risco-país estão no
mínimo histórico.
O que quer dizer isso? Que, longe de excepcional, o desempenho
brasileiro não passa de "footnote", de nota ao pé da página do ciclo econômico, onde se poderia ler
mais ou menos o seguinte: "o Brasil teve, em linhas gerais, o mesmo
comportamento que a média dos
demais da América Latina".
Onde ocorre, a excepcionalidade brasileira, pesa-me dizê-lo, é,
quase sempre, para pior. Nosso
crescimento, como até as pedras
sabem, só foi melhor que o do
Haiti, único do continente pertencente à categoria dos Least Developed Countries, os pobres dentre os pobres, a maioria africanos.
Foram o minúsculo crescimento
do Brasil (2,3%) e o pouco melhor
do México (3,1%) que puxaram
para baixo a média regional. Excluídos os dois retardatários, a
média do Chile e andinos e a do
Cone Sul ultrapassa a do conjunto dos países em desenvolvimento.
A expansão das exportações
brasileiras foi superior à de muitos outros, embora inferior à do
Chile e do Peru. O país esteve entre os que mais se beneficiaram
da melhora dos termos de intercâmbio. Em compensação, em valorização da moeda, nossa excepcionalidade é absoluta. Aqui, como em taxas de juros e futebol,
não nos contentamos com o campeonato sul-americano: somos
campeões mundiais.
Onde, porém, a excepcionalidade brasileira é inquietante porque
dela depende o crescimento futuro é na taxa de investimento e na
formação bruta de capital fixo. A
primeira não chegou aos 25% do
PIB, só atingida pelo Chile e nível
necessário para expansão mais
acelerada. Mas, enquanto no
continente ela melhorou, alcançando 22%, a nossa se arrasta entre 17% e 18%. A taxa de variação
na formação do capital fixo, de
20% na Argentina, de 19% na Colômbia, de 12,4% na América do
Sul, foi no Brasil de apenas 3,5%.
Abaixo de nós, Panamá, Guatemala, Costa Rica, Paraguai, Bolívia, Honduras e o indefectível
Haiti.
Por que lembrar essas verdades,
em vez de seguir o lema de Alvaro
Moreyra, que aconselhava: "As
amargas, não..."? A fim de evitar
o engano de subestimar a decisiva
importância do ciclo mundial nos
(sofríveis) resultados obtidos pelo
país. É como se o Brasil competisse num campeonato de surfe. Até
agora desliza nossa prancha pela
crista da onda, mas, na classificação final, estamos na rabeira. Se,
com onda tão boa, mal conseguimos nos equilibrar, quem nos garante que não nos afogaremos
quando a vaga mudar?
Rubens Ricupero, 69, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto
Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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