São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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TROCA DE COMANDO

Presidente deixará de cobrar queda maior nos juros e pode reintroduzir projeto de independência do banco

Lula abranda com BC para agradar mercado

Lula Marques - 28.mar.06/Folha Imagem
O presidente Lula (esq.), Guido Mantega (de costas), novo ministro da Fazenda, e Antonio Palocci


KENNEDY ALENCAR
GUSTAVO PATU
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sem Antonio Palocci Filho como fiador do rigor fiscal e monetário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu abandonar a pressão para que o Banco Central acelere o ritmo de redução dos juros. E tem uma carta na manga caso precise acalmar o mercado: tirar da gaveta e enviar ao Congresso o projeto que concede autonomia formal ao BC.
A flexibilização da política econômica no que se refere a gastos públicos não será acentuada. Ou seja, Palocci já havia aceito essa flexibilização na virada de 2005 para 2006.
Um eventual segundo mandato de Lula manterá a meta de superávit primário em 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto) e a meta de inflação em 4,5% ao ano. A meta de 2007, já estabelecida em 4,5%, será confirmada pelo novo ministro da Fazenda, Guido Mantega.
O presidente já orientou Mantega a agir com moderação em relação ao Banco Central. Auxiliar antigo e fiel a Lula, escolhido por sua proximidade com o chefe direto, Mantega fez no passado recente duras críticas à política monetária em geral e ataques diretos ao diretor de Política Econômica do BC, Afonso Bevilaqua.
Mantega não tem o cacife que Palocci possuía, construído desde a campanha de 2002, e sabe disso. Já disse a membros da cúpula do governo que não entrará em guerra com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Na última terça-feira, Lula teve conversa direta com Meirelles para tranquilizá-lo em relação à escolha de Mantega.
O presidente assegurou linha direta a Meirelles e disse na cerimônia de posse de Mantega que qualquer problema que tivesse deveria procurá-lo. Ou seja, não divergir publicamente do Banco Central.
No início do governo, Mantega era ministro do Planejamento e tentou fazer contraponto público a Palocci. Foi enquadrado por Lula. Neófito nos bastidores de Brasília à época, aprendeu muito nos três anos em que foi ministro e presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Lula temia as primeiras entrevistas de Mantega. Ao final da tarde de terça, quando o novo ministro falou com jornalistas, Lula disse: "A entrevista boa você já deu. Vamos ao trabalho".
A reunião do CMN (Conselho Monetário Nacional) da semana passada -vista como o primeiro embate entre Mantega e Meirelles para a fixação da taxa de juros de longo prazo (TJLP) que corrige os empréstimos do BNDES- foi marcada pela unificação dos discursos dos dois.
Primeiro, a taxa foi acertada previamente (de 9% para 8,15%) para evitar atritos na frente dos técnicos. Depois, no final da reunião, Mantega fez uma espécie de desagravo a Palocci, ressaltando as qualidades e os feitos do ex-ministro.
Também agradeceu a Murilo Portugal, que está deixando a secretaria executiva do ministério -equivalente a ser vice-ministro. As palavras de Mantega foram reforçadas por Meirelles, que disse estar em profundo acordo com o ministro.

Desenvolvimentistas
Mesmo os críticos da ortodoxia personificada por Palocci avaliam que, no momento, a melhor estratégia é não provocar tensões desnecessárias em um mercado financeiro que, em meio a uma fartura de dólares, está disposto a ser otimista e a contribuir para bons indicadores econômicos.
"Em ano eleitoral, a tarefa da área econômica do governo é não tomar gol", diz o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), que chegou a ser cotado para a Fazenda antes de Palocci cair. "Se a bola chegar perto, eu chuto para o mato."
Inesperadamente, um representante do pensamento dito desenvolvimentista voltou ao comando da Fazenda, o que não acontecia desde o governo José Sarney (1985-1990). A ala não tem expectativa de formular e executar uma agenda agora, mas ganha força para disputar a hegemonia intelectual da política econômica a partir do ano que vem.
Não por acaso, no governo e no mercado se avalia que o maior risco de turbulências financeiras neste ano estará no período decisivo das eleições. Ou seja, quando os investidores começarão a se posicionar para a futura administração -seja ela de Lula ou de um tucano, conforme os cenários mais prováveis.
É numa situação como essa que o Planalto pode ressuscitar o projeto da autonomia do BC, na forma de mandatos fixos para os dirigentes da instituição. A mesma estratégia foi usada logo após a eleição de Lula, em 2002, quando Meirelles aceitou o convite para presidir o Banco Central.
O governo petista chegou a dar o primeiro passo para a autonomia, ao aprovar, em 2003, uma emenda constitucional que permitiu a regulamentação do sistema financeiro por meio de diferentes projetos de lei -até então, a Constituição previa uma única lei, que teria de tratar de tantos assuntos que sua tramitação seria virtualmente impossível.
Depois, à medida que a ortodoxia de Palocci se mostrava suficiente para acalmar os mercados, a autonomia do BC sucumbiu à má vontade geral do PT e do próprio Lula em relação à idéia.


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