São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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LIÇÕES DA VIDA

Em best-seller recém-lançado, empresário do Pão de Açúcar conta como refez o grupo e revela face religiosa

"Vender mais é tarefa minha, não de Deus", diz Abilio

ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Abilio Diniz, 67, o empresário que reconstruiu o grupo Pão de Açúcar, reza todos os dias, vai à missa aos domingos e é devoto de santa Rita de Cássia. Diz que no trabalho é centralizador, mas sabe delegar tarefas. E bate numa mesma tecla diversas vezes: afirma que em sua vida já foi pretensioso demais, quando só precisava ser determinado. "Você pode ser forte, agressivo, mas não precisa ser arrogante como já fui. Arrogância não tá com nada", disse, em entrevista à Folha.
Uma semana e meia após lançar o livro "Caminhos e Escolhas - O Equilíbrio Para Uma Vida Mais Feliz", o empresário é o primeiro colocado no lista dos autores mais vendidos na Livraria Cultura e no site Submarino. No ranking da Livraria Saraiva, está entre os cinco mais. A sua obra vendeu 30 mil exemplares (3.000 por dia) e entrou na segunda edição agora.
Na entrevista a seguir, ele fala do livro e da batalha contra os irmãos pelo controle do grupo.

 

Folha - Em seu livro, há um Abilio conciliador e conselheiro. O sr. mudou e o Pão de Açúcar também?
Abilio Diniz -
Não há dúvida nenhuma. O Pão de Açúcar de antes de 90 era muito arrogante, muito prepotente e nada humilde. Isso porque o Pão de Açúcar teve um sucesso extraordinário até a década de 80, o que trouxe prepotência, arrogância, um sentimento de que éramos melhores do que os outros. Felizmente, ao reconstruir o grupo, minha primeira determinação foi ser humilde. Se temos ou vamos alcançar o sucesso, tem de ser pela humildade.

Folha - Sobre delegar tarefas, por exemplo, ou saber ouvir o outro. Houve mudança nisso também?
Diniz -
Eu aprendi a acentuar características em mim que já eram boas. Sempre fui uma pessoa que soube ouvir, porém sempre tive posições muito fortes. Ao ser convencido por outras pessoas de que o caminho melhor era diferente daquele que eu estava tomando, eu sempre mudei de posição com muita facilidade. Também sempre fui centralizador por querer estar razoavelmente informado de tudo. Mas sempre deleguei e sempre cobrei o retorno. Não estou mais na função de executivo, mas estou a par de tudo. Porém não dou ordens, quem as dá é o Augusto [Augusto Cruz, presidente do grupo]. Muita gente dizia que isso não ia dar certo. "Imagine o Abilio sentado na mesa ao lado de todos, sem participar." O fato é que deu certo.

Folha - O sr. tinha dúvidas sobre seu próprio afastamento do grupo?
Diniz -
Não tinha, pois programamos com muita antecipação. A troca de comando foi em 1º de março de 2003, mas os trabalhos começaram antes -o Augusto foi convidado em meados de 2002. Trabalhamos com ajuda de dois psicólogos e ensaiamos muito o que ia acontecer depois.

Folha - Sem arrogância, o sr. teria chegado aonde chegou?
Diniz -
Acho que isso não tem a ver. Você pode ser forte, agressivo, mas não precisa ser arrogante, como eu já fui no passado. Para você conquistar, crescer, ter vitórias, é preciso agressividade, ser arrojado, mas nada disso tem de vir acompanhado de arrogância. Arrogância não tá com nada.

Folha - Foi difícil reconstruir o Pão de Açúcar, após ter quase quebrado no início dos anos 90?
Diniz -
Foi muito difícil, muito sofrido. Os anos de 1990, 1991 e 1992 foram muito complicados [a empresa teve de enfrentar a crise econômica nos anos Collor e a disputa interna na família Diniz]. Mas as realizações que vieram depois nos davam tanta satisfação que compensavam as dificuldades que encontrávamos.

Folha - O sr. comenta em sua obra que poderia ter quebrado com a empresa...
Diniz -
Eu não tinha nada na época, era avalista de tudo na empresa, então o pouco que eu tinha, se a empresa fosse embora, ia junto também. Eu tinha muito pouca coisa material e comparativamente nem tenho muito hoje, só a participação no grupo.

Folha - Aproveitando que o sr. tocou na questão acionária... Na época da divisão da empresa entre os irmãos, a separação dos negócios foi equânime. O sr., que trabalhava muito pela empresa, se sentiu traído com essa divisão?
Diniz -
Acho traição uma palavra muito forte. Eu me conduzo de forma um pouco diferente. Em vez de ficar me queixando dos outros, se fizeram isso ou aquilo de mau, eu procuro perceber se eu fiz o que estava a meu alcance. Nesse caso específico [disputa entre os irmãos], talvez eu tenha sido ingênuo. Mas isso vai ser mais bem explicado na minha autobiografia, que deve sair em 2006.

Folha - Com certa freqüência o senhor se refere a Deus. Em períodos em que a situação do grupo ficava complicada, apelou para Ele?
Diniz -
Nunca peço coisas a Deus, só peço força, saúde e luz. Não peço para o Pão de Açúcar vender mais, isso é tarefa minha. Peço para Ele me iluminar.


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