São Paulo, terça-feira, 02 de maio de 2006

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TENSÃO ENTRE VIZINHOS

Ministro Silas Rondeau fala em "rompimento'; reunião no Planalto hoje decidirá posição brasileira

Pego de surpresa, governo estuda reação

Juan Karita/Associated Press
Bolivianos comemoram nacionalização


ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo brasileiro foi surpreendido e considerou grave a decisão unilateral do presidente da Bolívia, Evo Morales, de radicalizar além do previsto a nacionalização do petróleo e do gás e de mandar o Exército invadir as refinarias da Petrobras e de outras empresas estrangeiras.
O Ministério de Minas e Energia considerou um "rompimento", mas o Planalto e o Itamaraty estão mais cautelosos. Querem reagir, mas sem falar em rompimento, não só porque o Brasil precisa do gás boliviano como também porque seria incoerente com o discurso da política externa esmagar o país mais pobre da América do Sul. O ministro Silas Rondeau (Minas e Energia), conforme sua assessoria, considerou a atitude do governo boliviano um "ato inamistoso que pode ser entendido como rompimento nos entendimentos" entre os governos do Brasil e da Bolívia e entre a Petrobras e o governo boliviano.
Já o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse no meio da tarde que "o governo foi pego de surpresa", que as informações da Bolívia ainda eram desencontradas e que somente hoje haveria uma tomada de posição. "A situação é delicada, e os fatores internos devem estar pesando muito. Entretanto, faltam dados do problema, falta uma reflexão coletiva e falta, sobretudo, uma posição do presidente da República no Brasil."
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava em São Paulo, foi avisado tanto por Garcia quanto pelo presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, em viagem aos EUA.
Lula recomendou que não houvesse reações precipitadas e convocou uma reunião no Planalto com representantes do Itamaraty, de Minas e Energia e da Petrobras ainda hoje pela manhã, em Brasília, para definir o tom da reação e as providências práticas que deverá tomar, em retaliação.
No encontro nacional do PT, na sexta-feira, em São Paulo, Lula disse que vivem pressionando para ele brigar com Evo Morales, mas não fará isso: "Se não briguei nem com o Bush [George W. Bush, presidente dos EUA), como é que vou brigar com o Morales?". Recebeu aplausos entusiasmados.
O chanceler Celso Amorim está em Genebra, na Suíça. Ele acabava de jantar com o atual secretário de Comércio dos EUA, Robert Portman, e sua sucessora designada, Susan Schwab, quando foi avisado da nova crise com a Bolívia por um telefonema de Brasília.
O chanceler interrompeu o jantar para cuidar do assunto e antecipou sua volta a Brasília em um dia, para hoje. Como não dará tempo de participar da reunião com Lula, o representante do Itamaraty será o secretário-geral, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que foi à Bolívia na semana passada, mas também foi surpreendido pela gravidade do decreto de ontem de Morales.
Pelas informações que Amorim recebeu por telefone do embaixador do Brasil em La Paz, Antonino Mena, o decreto de Morales foi muito mais duro do que o esperado pelo governo brasileiro.
A ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, que estava nos EUA, também antecipou a volta. Cancelou visita de dois dias que faria a Washington após receber um telefonema do presidente Lula, na tarde de ontem, pedindo que ela retornasse imediatamente.

Fornecimento
Do ponto de vista prático, o governo avalia que a atitude da Bolívia não terá efeitos no fornecimento de gás natural para o Brasil, pelo menos no curto prazo. A Bolívia não tem a tecnologia para produzir o gás e os demais derivados e depois exportá-los. Além disso, não há outro mercado para o gás boliviano que não seja o Brasil e os vizinhos.
Por essa análise, o que está por trás dos movimentos políticos de ontem é o objetivo da Bolívia de aumentar o preço do gás fornecido ao Brasil. Na área política, porém, avalia-se que Morales está encantado com o crescimento de sua popularidade em cima do discurso nacionalista e está cedendo às pressões internas.
Além de atingir a Petrobras com o decreto de ontem, ele também está expulsando a EBX, do empresário brasileiro Eike Baptista, que construía quatro fornos de produção de ferro-gusa no país.
Como disse ontem Marco Aurélio Garcia, não está descartada a mediação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que é o aliado número um de Morales, para tentar acalmar a crise: "É claro que ele [Chávez] sempre pode ajudar numa situação como essa", disse Garcia.

Colaborou Sérgio Dávila, de Washington

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