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Brasil cria corvos na América do Sul
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A execução com tintas, digamos, "bolivarianas" do projeto de
tutela energética de Evo Morales
dá fôlego à recuperação de um clichê para situações do tipo: citar o
velho ditado espanhol segundo o
qual criadores de corvos terão os
olhos arrancados por eles.
Pois, se antes as pretensões megalômanas do Itamaraty esbarravam no fato óbvio de que o Brasil
não tem o peso nem as condições
para executá-las, ao menos isso
gerava riscos menos palpáveis, algumas discussões até relevantes e
muitas piadas de salão.
Mas a inabilidade da tão festejada diplomacia brasileira em cuidar do único lugar do mundo em
que o peso do país é verdadeiro, a
América do Sul, agora começa a
cobrar faturas imediatas.
A política do "cría cuervos" já
havia dado espaço para o venezuelano Hugo Chávez aprontar.
Encastelado no emirado "bolivariano", o coronel conseguiu virar a referência que Lula não é na
região, molhando a mão de petróleo e inspirando clones como Morales. Enquanto isso, Brasília lhe
deu foro privilegiado no já cambaleante Mercosul e dá corda para
o plano "nonsense" de trazer gás
venezuelano ao Sudeste.
Mas ao menos as estripulias totalitárias de Chávez já lhe garantiram alguns "gelos" de Lula. Morales é outra história. Claramente
pautado pela agenda de Chávez,
até pela similaridade de possuir
recursos energéticos abundantes,
o boliviano foi apoiado ostensivamente por Lula em sua campanha
-aliás, um gesto diplomaticamente condenável.
E o que o Brasil ganhou com isso? Sem entrar no mérito da questão da siderúrgica EBX, que não é
exatamente uma inocente vítima,
e no direito que um país miserável
tem de controlar sua única riqueza, o fato é que a Bolívia colocou o
Brasil na defensiva.
Não é questão de orgulho nacional, mas de enxergar uma realidade geopolítica. O Brasil perdeu o
controle na relação com as lideranças vizinhas que ajudou a fomentar. Isso não significa defender a ingerência nos assuntos internos da colcha de retalhos de
países deixados como principal
lembrança do Bolívar hoje tão reverenciado, mas esperar que Brasília ocupe seu lugar de líder regional com a "altivez" sempre tão
propagandeada pelo governo.
É argumentável que a Petrobras
tenha tratado a Bolívia como parceira subalterna desde que transformou o gás do país numa matriz energética essencial para o
Brasil. Talvez tenha agido como
"vilã imperialista" mesmo, e seja
necessário respeitar o indígena
que resgata seu país de humilhações seculares.
Mas não é sinal de "vigor democrático" ver militares comandados por um suposto aliado ocupando instalações brasileiras. É
distorção achar que é preciso tratar os vizinhos mais pobres com
paternalismo. É preciso pragmatismo sem arrogância, clareza no
cumprimento de pactos e cooperação dentro da realidade.
O Itamaraty, seja ele lulista, tucano ou "bolivariano", precisa
voltar ao seu papel primordial, a
defesa do chamado "interesse nacional". Enquanto isso não acontecer, os corvos seguirão se fartando de globos oculares. Míopes,
é verdade, mas ainda olhos.
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