São Paulo, sábado, 02 de maio de 2009

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CESAR BENJAMIN

Emergência nacional


Mais do que as estatísticas econômicas, os resultados do último Enem escancaram uma emergência nacional


OS ECONOMISTAS adquiriram uma centralidade abusiva no debate contemporâneo, ao mesmo tempo em que sua visão se estreitava cada vez mais. Nada mudaria nos modelos macroeconômicos em voga se o território do Brasil fosse completamente outro, pois eles ignoram o espaço. O longo prazo -a verdadeira escala temporal em que as nações se constroem- foi substituído pelo tempo curto das operações financeiras. E as pessoas, quando muito, tornaram-se meros coadjuvantes, na condição de força de trabalho ou de consumidores. Predomina entre nós um pensamento que destaca e valoriza apenas o que diz respeito aos negócios.
Tal contexto contamina também o debate sobre educação. Passamos a discorrer com naturalidade sobre o papel da educação no crescimento econômico, quando deveríamos inverter a abordagem: economia é meio, educação é fim. O crescimento só tem sentido se criar condições materiais para as pessoas se libertarem de uma existência estreita, repetitiva e cansada, de modo a poderem se dedicar, cada vez mais, a obter conhecimentos, prazer estético e transcendência, atividades humanas por excelência, que em grande medida dependem de aprendizado.
As sociedades contemporâneas pretendem realizar uma educação de massas. Isso não é trivial. Durante milênios nenhuma sociedade vislumbrou esse desafio. Lentos e caros, os processos educacionais sempre foram destinados a poucos. A proposta de educação para todos é muito recente. Na Europa, esteve ligada à criação e à consolidação dos Estados modernos: cabia aos sistemas escolares unificar a língua, disseminar uma literatura, elaborar e contar uma história, difundir direitos e deveres, tendo em vista constituir as novas identidades nacionais que substituiriam as identidades tradicionais.
O Brasil não viveu experiência similar. Nas primeiras décadas depois da Independência, nosso Estado cuidou antes de tudo de manter a unidade territorial; depois, quase até o fim do século 19, tateamos para encontrar a maneira de abolir a escravidão sem desarticular a economia primário-exportadora baseada na grande propriedade da terra, fonte do poder das oligarquias. Não fazia sentido pensar em educação de massas em uma sociedade escravista. A criação de um Ministério da Educação teve de esperar a Revolução de 1930.
No pós-guerra, difundiu-se no mundo a ideia de que o desenvolvimento econômico dependia do chamado "capital humano". Se, de um lado, ela contribuiu para legitimar esforços educacionais, de outro mostrou-se equivocada ou, pelo menos, muito insuficiente. A tipologia dos processos de desenvolvimento não é clara até hoje, e a meu ver nunca será suficientemente clara. Para o tema desse artigo, porém, isso é irrelevante. Desejo enfatizar que educação é muito mais do que um mero suporte à economia.
É do lugar do povo brasileiro no processo civilizatório que estamos tratando. De um direito subjetivo das pessoas. De uma prática que amplia o horizonte humano de cada um e torna a vida mais plena, mais cheia de possibilidades. Um povo que alcança alto padrão educacional e civilizatório também é mais capaz de edificar uma economia moderna, é claro, pelo simples fato de que esse tipo de economia é uma das expressões de um certo grau de civilização.
Mas não esqueçamos: economia é meio, educação é fim. Um sistema educacional ruim é uma enfermidade silenciosa, traiçoeira e grave. Mais do que as estatísticas econômicas, os resultados do último Enem escancaram uma emergência nacional.

CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.



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